Caridade Real
Toda criatura plasma ou alberga pensamentos novos a todo instante. Naquilo
que te importa mais intimamente, recebes contínuas abordagens mentais, dignas e
indignas, e, porque te decides a escolher, és, ao mesmo tempo, como Espírito
encarnado, o benfeitor ou o malfeitor de ti próprio.
Se urge estudar a nós mesmos, na esfera das nossas reações, para sanarmos as
próprias faltas, a caridade preceitua, igualmente, estudar a alma dos
semelhantes, nas tendências que os caracterizam, para servi-los com mais
segurança.
Não raro, somos obrigados, em nome da fraternidade, a fazer aquilo a que não nos
achamos predispostos no momento, vencendo indisposições, dores e achaques,
cansaços e desconfortos. É aí que testemunhamos mais vivamente a caridade pura.
Quantas vezes, embora sem ânimo para conversar, torna-se preciso entabular
determinado entendimento por requisição da caridade?
Em quantas ocasiões, apesar da fadiga, é forçoso te entregues ainda a algum
sacrifício, caminhando um pouco mais, à face da caridade que assim reclama?
Quantas horas, não obstante sem qualquer disposição íntima, serás compelido a
despender, em servir o próximo nisso ou naquilo, para atender a silenciosa
rogativa da caridade?
A caridade real é essa doação de algo pessoal e único que trazemos dentro de nós
e que somente nós podemos oferecer.
É o esforço de esquecimento do «eu» para louvar os outros.
É a anulação do direito que nos compete para consagrar o direito de alguém.
É o silêncio de nossa voz para que se faça ouvir uma voz mais frágil que a
nossa.
É a luta contra os incômodos pessoais para dilatar o bem-estar alheio.
É a muda sufocação de toda tristeza nossa para acentuar a alegria no coração de
outrem. ..
Se todos somos almas convalescentes, estejamos, no entanto, convictos de que não
há mal inextirpável na intimidade do próprio ser.
Estuda fraternalmente as aflições do próximo.
Uma criança a chorar, conquanto nos enterneça as fibras mais íntimas, lembra, em
qualquer parte, a vida acordando os que se dispõem a sofrer por um mundo melhor,
mas já meditaste no pranto de um homem? O drama de um homem soluçante que nos
oferta o espetáculo da própria indigência é um desafio supremo à nossa
possibilidade de sentir a tragédia alheia, a fim de remediá-la.
Amplia a capacidade de amar desinteressadamente, estabelecendo comunhão
espiritual com a Humanidade e alargando os limites emocionais de teu sentimento
no rumo da imensidade do amor que vivifica a Criação. Ovelhas em meio de lobos,
gazelas entre leões ou pombos diante de abutres, oponhamos a caridade ao ódio, a
verdade ao erro e a luz à sombra, onde respirarmos, porque apenas dentro da luta
incessante é que promoveremos o triunfo imarcescível do bem, por vozes vivas
anunciando a vitória do Cristo de Deus.
Antônio Cardoso