Reparação
Terminada a prece, recompus a fisionomia, pedindo ao professor me ensinasse o
melhor recursos de resgatar o erro cometido por mim noutro tempo.
Recomendou-me, então, em preleção que servisse para todos os alunos da classe, a
aproveitar o ensino e a experiência, dispensando o possível carinho dos animais,
que são igualmente criaturas de Deus em marcha progressiva para o
aperfeiçoamento, como todos nós, e exortou-me a renovar as recordações daquela
hora, com orações fervorosas e sinceros propósitos de nunca mais destruir a vida
dos seres frágeis e inofensivos da Criação Divina.
Em seguida, comentou as conseqüências desastrosas de nossos gestos impensados ou
criminosos, que espelham desarmonias e perturbações.
Explicou que tem visto inúmeros meninos com os quais se verificou o que ocorria,
embora fossem outros os fatos lamentáveis recordados. Lembrou muitas crianças de
grande porte, com bastante entendimento, que passam longas horas derrubando
ninhos, prendendo aves ou matando-as sem consideração, perseguindo cães
trabalhadores ou apedrejando, por perverso prazer, animais úteis e mansos.
Esclareceu que todos os jovens dessa espécie experimentam aqui provações bem
amargas, sendo obrigados a reparar as faltas que levaram a efeito no mundo, com
absoluto menosprezo das respeitáveis determinações dos pais ou dos bons
conselhos das pessoas mais velhas.
Desde então, lembro-me de Bichaninho, sinto-lhe, ainda, a imagem dentro de mim;
entretanto, com o poder da prece, meu pensamento tranquilizou-se, voltando ao
passado em atitude de sincero arrependimento, pedindo perdão.
Humilhei os meus sentimentos caprichosos, dos quais sempre ocultara o lado mau,
e, por isso, tenho melhorado.
Já não possuo mais ócios e nem horas desaproveitadas.
Em todos os instantes consagrados a recreios e diversões, encontro árvores para
cuidar e animaizinhos daqui, aos quais posso auxiliar com eficiência e proveito.
Eu, que tanto me alegrava vendo s aves perseguidas pelos meninos fortes, hoje me
dedico a ajudar pequenos pássaros na construção de ninhos.
E observo que, diante da minha atitude interior transformada, todas as pessoas
que me cercam como que se transformaram para mim. Recebo olhares afetuosos e
agradecidos de toda a parte. Os professores e colegas parecem-me mais
simpáticos, mais amigos.
Notando-me o sincero esforço para corrigir-me, ninguém me falou do gato
apedrejado.
O episódio triste foi esquecido bondosamente por todos.
Devo às árvores e aos passarinhos, aos quais me tenho consagrado nos últimos
tempos, as alegrias que me enchem o coração.
Tenho quase certeza de que Bichaninho me perdoou a maldade. Sinto que fiz a paz
comigo mesmo e creio que, se eu voltasse presentemente para casa, seria melhor
filho e melhor irmão.
Oh, Dirceu, nunca atormente nem mate os animais úteis e inofensivos! Tendo
chorado muito para reparar o erro que cometi.
Neio Lúcio