Os Mensageiros Distraídos
Os ouvintes do culto da Boa Nova discorriam sobre as polêmicas que se
travavam incessantemente em torno da fé, nos círculos do farisaísmo de várias
escolas, quando o Cristo, dentro da profunda simplicidade que lhe era
característica, narrou, tolerante:
— Um grande senhor recebeu alarmantes notícias de vasto agrupamento de servos,
em zona distante da sede do seu governo, que se viam fustigados por febre
maligna, e, desejoso de socorrer os tutelados que sofriam na região remota de
seus domínios, enviou-lhes mensageiros de confiança, conduzindo remédios
adequados à situação e providências alusivas ao reajusta mento geral.
Os emissários saíram do palácio com grandes promessas de trabalho, segurança e
eficiência na missão; todavia, assim que se viram fora das portas do senhor,
começaram a rixar pela escolha dos caminhos.
Uns reclamavam o atalho, outros a planície sem espinheiros e outros, ainda,
pediam a passagem através dos montes.
Longos dias perderam na disputa, até que o grupo se desuniu, cada falange
atendendo aos próprios caprichos, com absoluto esquecimento do objetivo
fundamental.
As dificuldades, porém, não foram solucionadas com decisão. Criados os roteiros
diferentes, como que se dilataram os conflitos. Reduzidas agora, numericamente,
as expedições sofreram, com mais rigor, os golpes esterilizantes das opiniões
pessoais. Os viajantes não cuidavam senão de inventar novos motivos para o
atrito inútil. Entre os que marchavam pelo trilho mais curto, pela vargem e pela
serra lavraram discussões improdutivas, contundentes e intermináveis. Dias e
noites preciosos eram desprendidos em comentários ruidosos quanto à febre,
quanto à condição dos enfermos ou quanto às paisagens em torno. Horas difíceis
de amargura e desarmonia, de momento a momento, interrompiam a viagem, sendo a
muito custo evitadas as cenas de pugilato e homicídio.
Surgiram as contendas, a propósito de mínimas questões, com pleno desperdício da
oportunidade, e, em razão disso, tanto se atrasaram os viajores do atalho,
quanto os da planície e do monte, de vez que se encontraram no vale da peste a
um só tempo, com enorme e irremediável desapontamento para todos, porquanto, à
míngua do prometido recurso, não sobrara nenhum doente vivo na carne.
A morte devorara-os, um a um, enquanto os mensageiros discutidores matavam o
tempo, através da viagem.
O Mestre fixou nos aprendizes o olhar muito lúcido e aduziu:
— Neste símbolo, temos o mundo atacado pela peste da maldade e da descrença e
vemos o retrato dos portadores da medicação celeste, que são os religiosos de
todos os matizes, que falam na Terra, em nome do Pai. Os homens iluminados pela
sabedoria da fé, entretanto, apesar de haverem recebido valiosos recursos do Céu
para os que sofrem e choram, em conseqüência da ignorância e da aflição
dominantes no mundo, olvidam as obrigações que lhes assinalam a vida e,
sobrepondo os próprios caprichos aos propósitos do Supremo Senhor, se desmandam
em desvarios verbais de toda espécie. Enquanto alimentam o distúrbio, levianos e
distraídos, os necessitados de luz e socorro desfalecem à falta de assistência e
dedicação.
E afagando uma das crianças presentes, qual se concentrasse todas as esperanças
no sublime futuro, finalizou, sorridente e calmo:
— A discussão, por mais proveitosa, nunca deve distrair-nos do serviço que o
Senhor nos deu a fazer.
Neio Lúcio