O Servo Inconstante
À frente do todos os presentes, o Mestre narrou com simplicidade:
— Certo homem encontrou a luz da Revelação Divina e desejou ardentemente
habilitar-se para viver entre os Anjos do Céu. Tanto suplicou essa bênção ao Pai
que, através da inspiração, o Senhor o enviou ao aprimoramento necessário com
vistas ao fim a que se propunha. Por intermédio de vários amigos, orientados
pelo Poder Divino, o candidato, que demonstrava acentuada tendência pela
escultura, foi conduzido a colaborar com antigo mestre, em mármore valioso. No
entanto, a breve tempo, demitiu-se, alegando a impossibilidade de submeter-se a
um homem ríspido e intratável; transferiu-se, desse modo, para uma oficina
consagrada à confecção de utilidades de madeira, sob as diretrizes de velho
escultor. Abandonou-o também, sem delongas, asseverando que lhe não era possível
suportá-lo. Em seguida, empregou-se sob as determinações de conhecido operário
especializado em construção de colunas em estilo grego. Não tardou, entretanto,
a deixá-lo, declarando não lhe tolerar as exigências.
Logo após, entregou-se ao trabalho, sob as ordens de experimentado escultor de
ornamentações em arcos festivos, mas, finda uma semana, fugiu aos compromissos
assumidos, afirmando haver encontrado um chefe por demais violento e irritadiço.
Depois, colocou-se sob a orientação de um fabricante de arcas preciosas, de quem
se afastou, em poucos dias, a pretexto de se tratar de criatura desalmada e
cruel.
E, assim, de tarefa em tarefa, de oficina em oficina, o aspirante ao Céu dizia,
invariavelmente, que lhe não era possível incorporar as próprias energias à
experiência terrestre, por encontrar, em toda parte, o erro, a maldade e a
perseguição nos que o dirigiam, até que a mor te veio buscá-lo à presença dos
Anjos do Senhor.
Com surpresa, porém, não os encontrou tão sorridentes quanto aguardava. Um deles
avançou, triste, e indagou:
— Amigo, por que não te preparaste ante os imperativos do Céu?
O interpelado que identificava a própria inferioridade, nas sombras em que se
envolvia, clamou em pranto que só havia encontrado exigência e dureza nos
condutores da luta humana.
O Mensageiro, no entanto, observou, com amargura:
— O Pai chamou-te a servir em teu próprio proveito e, não, a julgar. Cada homem
dará conta de si mesmo a Deus. Ninguém escapará à Justiça Divina que se
pronuncia no momento preciso. Como pudeste esquecer tão simples verdade, dentro
da vida? O malho bate a bigorna, o ferreiro conduz o malho, o comerciante
examina a obra do ferreiro, o povo dá opinião sobre o negociante, e o Senhor, no
Conjunto, analisa e julga a todos. Se fugiste a pequenos serviços do mundo, sob
a alegação de que os outros eram incapazes e indignos da direção, como poderás
entender o ministério celestial?
E o trabalhador inconstante passou às conseqüências de sua queda impensada.
Jesus fez uma pausa e concluiu:
— Quem estiver sob o domínio de pessoas enérgicas e endurecidas na disciplina,
excelentes resultados conseguirá recolher se souber e puder aproveitar-lhes a
aspereza, inspirando se na madeira bruta ao contacto da plaina benfeitora.
Abençoada seja a mão que educa e corrige, mas bem-aventurado seja aquele que se
deixa aperfeiçoar ao seu toque de renovação e aprimoramento, porque os mestres
do mundo sempre reclamam a lição de outros mestres, mas a obra do bem, quando
realizada para todos, permanece eternamente.
Neio Lúcio