Amanhecer Inigualável
Nunca dantes houve algo semelhante. A crucificação do Justo assinalaria a
permanência da ignorância e da crueldade no coração humano, petrificado pela
arrogância da transitória existência que a morte ceifaria...
A noite espiritual que se fez a partir daquele momento de pavor se alongaria nas
estradas longevas dos séculos porvindouros, até o momento em que o holocausto,
por amor, dos mártires rompesse a densa escuridão, facultando o brilho do sol da
esperança para os criminosos.
Compreensivelmente, aqueles homens simples e modestos, acostumados às redes de
pesca e às questões simples do seu habitat, em sua timidez na cidade perversa,
experimentaram diferentes emoções e ficaram desorientados, sem saber o que
fazer.
Alguns não tinham lucidez para compreender a truculenta ocorrência, outros
cambaleavam, acreditando-se abandonados e sem roteiro, todos estavam aturdidos.
A crucificação do Mestre, embora Ele o houvesse anunciado mais de uma vez, com
clareza e naturalidade, ultrapassava nas suas mentes tudo quanto poderiam
imaginar. Essa punição nefanda tornava-se-lhes um desafio inimaginável.
Como viveriam a partir daquele momento, em que desconhecidos, não tinham uma
porta a bater, buscando socorro, entendimento. Para onde iriam, naquele lugar
cruel e ameaçador? Pensavam que logo depois seriam caçados por verdadeiras
hienas e, provavelmente, teriam que pagar a audácia de seguir Aquele que se
dizia o Messias.
O medo é algoz implacável! Notícias nefastas e apavorantes circulavam em toda
parte e as pessoas, agora carrancudas, tornavam-se perigosas.
Repassavam pela mente todas as promessas e expectativas, os sonhos de um mundo
de luz e paz, as alegrias em um reino de trabalho e festa, tudo agora sombreado
pelo pavor e incerteza de quem seria o próximo a perder a vida.
O suicídio de Judas diminuíra-lhes a raiva em relação ao traidor que tanto
recebera do Mestre. Quem seria agora o próximo crucificado? Do medo ao pavor é
um passo e logo este instalou-se-lhes e procuraram esconder-se nos arrabaldes
enquanto as horas pareciam intermináveis.
Eles desejavam retornar às praias de Cafarnaum, às labutas do mar, às ingênuas e
modestas necessidades do dia a dia, porém uma força incoercível, retinha-os na
amaldiçoada cidade a qual passaram a detestar.
Ainda estavam aturdidos em discussão inútil, quando Ele apareceu. Não havia
dúvida! Era o Amigo de todas as horas, sorrindo com a ternura do perdão às suas
fraquezas, as mãos abertas, as chagas dos cravos à mostra e a indumentária
refulgente.
Aquele momento ficaria eternizado na alma da humanidade. Não havia palavras que
pudessem traduzir as emoções transformadas em lágrimas, sorrisos e lamentos em
razão do comportamento desleal de cada qual.
Mas Ele não parecia julgar suas fraquezas nem dubiedades. Apenas voltara
conforme prometera, especialmente naquela circunstância aziaga e terrível.
Compreenderam, por fim, que o reino a que Ele se referira tantas vezes não
estava nas dimensões terrestres, mas sim na imortalidade da alma. Impossível
seria descrever o renascer da alegria em seu mundo interior, o júbilo imediato
por amá-lO, o desejo exaltado de O levar a todas as gentes.
A ressurreição de Jesus é o momento culminante da história da Sua vida entre as
criaturas humanas. Todavia, era imprescindível que antes ocorresse a Sua morte.
Que Ele fosse visto como um vencido pela loucura terrestre em busca de poder,
qual se fosse um trapo na haste da cruz, a fim de ser grandioso o seu retorno
luminescente.
Sempre haverá noite na história de todos os Espíritos. Mas igualmente surgirá a
madrugada iridescente da vitória da vida. Por isso, a história da vida de Jesus
representa o triunfo do amor imortal sobre a transitoriedade material. Eles
voltaram, então, à formosa Galileia.
À primeira aparição seguiram-se outras em diferentes lugares, de modo que as
testemunhas fossem inumeráveis, culminando no entardecer da região amada diante
de uma multidão de quinhentas pessoas que escutavam João, quando Ele voltou a
dar as últimas instruções.
Retornaria, sim, periodicamente, nas fases tristes da sociedade, quando a dor
chegasse aos extremos do desespero e tudo parecesse prestes a mergulhar no
caos...
Seus discípulos, então renascidos em outros corpos, voltariam a vê-lO e a
ouvi-lO, repetindo as instruções de amor e de caridade, em canções de abnegação
e de caridade ímpares.
O sentido da existência física é a preparação para a imortalidade, nutrindo-se o
ser do pão fraternal, da luta de autoiluminação, edificando a ternura no
coração, a energia nas ações e a imensurável alegria da existência com todo o
seu fardo de testemunhos, que são verdadeiras bênçãos para o Espírito.
O Evangelho é o hino perene de luz que canta em toda parte e repete as
bem-aventuranças inolvidáveis. Quando as criaturas humanas aprofundarem o
conhecimento nas lições insuperáveis do Rabi Galileu, automaticamente permitirão
que se impregnem os sentimentos e a inteligência, experimentando, desde então,
as delícias da plenitude, da paz.
Jamais aqueles dias voltarão, no entanto, ficarão como alicerce de todas as
conquistas superiores do ser humano na sua ascensão ao infinito. Mudam os tempos
e alteram-se os comportamentos diante da ética submetida aos impositivos da
evolução da cultura, mas as recomendações do Mestre serão sempre a base de todas
as conquistas morais da sociedade.
Na grande noite que se abate sobre a Terra, anunciando a chegada e a instalação
da luz da verdade, Jesus prossegue, o caminho único aliás, para o êxito de
qualquer empreendimento.
Amélia Rodrigues