As Muitas Máscaras que Usamos
As máscaras que usamos são as maneiras como a nossa
personalidade se apresenta ao meio onde convive e para o mundo no qual existe e
com que se relaciona. Os Espíritos, uma vez encarnados, passam a usar máscaras
para apresentarem-se como são. Assim, somos um Espírito dotado da personalidade
com que desejamos ser reconhecidos. As máscaras que usamos são intermediárias
entre a nossa essência – Anima – (Alma na conceituação de Jung ) e a nossa
exterioridade, Persona pela qual nos apresentamos.
Todos nós usamos máscaras? É possível exemplificar?
Sim, todos usamos. A pessoa altruísta, a auto suficiente, a pessoa carinhosa, a
que está sempre desconfiada, a egoísta, a briguenta, a honesta, a pessoa carente
ou parasita, a que se faz pai ou mãe de todos, a mentirosa, narcisista, a
otimista ou pessimista, a pessoa colaboradora ou individualista, a pusilânime
fraca de ânimo e sem firmeza, a religiosa, a sofredora, a solitária, a
sonhadora, são alguns exemplos de máscaras que usamos. Não se trata, portanto,
de negativo ou positivo, de bom ou mau. São maneiras de ser que compõem a
personalidade de alguém e fazem parte da alma, isto é, da essência da pessoa.
Afinal de contas, somos obrigados a usar máscaras ou devemos tirá-las?
Não se trata de desvencilhar-nos das máscaras, como tiramos uma roupa que não
vamos mais usar. A questão é que precisamos das máscaras todos os dias. É assim
que garantimos o desempenho dos vários papéis nas nossas vidas ao nos
relacionarmos. São atitudes adequadas para as várias circunstâncias que se
apresentam na vida. O que importa é a consciência de que elas representam faces
da personalidade que vêm da nossa Alma, como partes do todo que somos. Não se
trata de eliminar as máscaras, mas de aprender a conviver com elas, até que um
dia não tenhamos mais necessidade disso. Dessa convivência, decorre o nosso
desenvolvimento intelectual, psíquico-emocional, moral e espiritual traduzindo a
nossa atuação de ser-no-mundo, o que nos dá uma identidade. Esse caráter
mediador das máscaras constitui-se em bastões em que nos apoiamos para dar conta
do nosso modo de ser. São alavancas, quando podemos mostrar um pouco mais da
nossa essência interior em atitudes; e são margens, dando-nos a noção dos nossos
limites e competências. Esse “caminhar mascarado” nos conduz na trajetória rumo
à plenitude espiritual.
Mas, não somos as nossas próprias máscaras?
Não somos. Aí é que está o “x” da questão. Pensar que somos a própria máscara
faz-nos perder de nós mesmos. Se não houver nada além da máscara, seremos
parciais, incompletos, pedaços de Espírito e não um Espírito uno. Se fôssemos
pedaço de Espírito, seríamos como mônadas aleijadas ou mutiladas, incapazes de,
um dia, alcançar a plenitude. Somos um “holos ” em desenvolvimento. Somos
completos e caminhamos para viver em plenitude. O que aprendemos não ocupa
espaço e nem precisa produzir tentáculos. Assim desenvolvemo-nos como um todo. O
problema não é de crescimento físico, mas sim de ampliação da consciência, e
consciência não ocupa um espaço geograficamente delimitado. Quando alguém se
identifica ou deixa-se absorver pela persona, isto é, pela máscara, passando a
conviver com os outros assim, estará fugindo ou afastando-se da própria
essência. Isso significa, em termos práticos, que está se esquecendo de si
mesmo, perdendo o foco da busca pessoal, desviando-se dos seus projetos futuros.
Nesse caso, a pessoa ficará sujeita ou escravizada às opiniões alheias. Torna-se
mais preocupada com o que os outros esperam ou pensam dela. Torna-se alguém que
parece não ter vontade própria e passa a depender das opiniões e aprovações de
amigos, parentes, pais e demais pessoas da sua convivência. Sente-se infeliz
mediante qualquer comentário que não aprove suas ações, decisões, escolhas ou
preferências. Sente-se insegura, com medo de ter que enfrentar a realidade. Qual
realidade? A de que necessita apropriar-se de seus desejos e preferências,
idéias ou opiniões, escolhas ou pontos de vista, mesmo que não coincidam com o
que os outros gostam. Escolher os próprios caminhos é a maior tarefa de quem
caminha.
Então temos que tirar as máscaras para mostrar a Alma?
Também não é assim. Identificar-se com a Anima (Alma para Jung) significa ser
uma pessoa voltada inteiramente para dentro de si mesma, tornando-se egoísta,
individualista ou auto centrada, o que não permite uma relação com o mundo e com
as pessoas, porque ela está em contato apenas consigo mesma. A música composta
por Antonio Nóbrega e Wilson Freire, diz assim: “Menina, vou te ensinar como é
que se namora: põe a alma no sorriso e o sorriso põe pra fora”. Essa figura fala
claramente da essência e da máscara que se usa para manifestar tal atitude. “A
máscara social é, portanto, a veste necessária para a adaptação social. Com
efeito, esta é entendida como indispensável por si, ou então como aquilo ao qual
nenhum de nós pode renunciar. (O caráter necessário atribuído à mascara deve ser
entendido como uma impossibilidade para a nudez. Aquilo que está em questão,
portanto, não é o despojar-se da máscara em nome de possível nudez, e sim a
possibilidade de representar uma ulterioridade ou um além em relação à máscara,
isto é, através de tal noção, o indivíduo é convidado a sair do engano de trocar
tal “parte” com o todo da sua individualidade e, portanto, do erro de considerar
que sob, por trás ou além da máscara não exista outra coisa)” . Pensar que
podemos dispor das máscaras ainda não nos é possível. Ainda não podemos expor a
nudez do nosso próprio Espírito. Devido a imaturidade, somos apegados a velhos
hábitos . Quando Adão e Eva viram-se nus no Paraíso, procuraram cobrir sua
nudez, simbolizando que ainda não estavam preparados para ela. Não podemos nos
suportar nus e despojados. Não somos capazes de suportar os nossos pensamentos,
incongruências, anseios, desejos, maus quereres, preconceitos, motivos, etc.
quando ficam à mostra para os outros, pois nos veríamos cheios de dúvidas,
medos, inseguranças, vergonhas e incertezas de todo tipo.
Parece que a gente é o que é sem tirar e nem por . . .
Se isso significar consciência de si mesmo, é verdadeiro. Existe ainda um outro
tipo de máscara que é a “máscara funerária, o arquétipo imutável, no qual
supostamente a morte se reintegra”, segundo M. Burckhardt . As suposições desse
pesquisador vão mais além quando diz “não se dar sem perigo quando se trata de
um indivíduo que não atingiu certo grau de elevação espiritual.” No Egito
antigo, portanto, a máscara mortuária significava a paralisação, a
impossibilidade de mudar, cessando o aprimoramento, ainda acarretando riscos
para quem não tivesse elevação espiritual. Segundo a Doutrina Espírita isso
ocorre quando Espíritos ficam presos à sua personalidade passada por fascinação
ou outros motivos. O aprimoramento do Espírito prossegue a cada novo projeto
encarnatório, e usando outras máscaras, representaremos novas condições
adquiridas. Entretanto, afinidades com máscaras usadas em tempos passados
permitem que os espíritos tenham preferências por esta ou aquela aparência ao se
apresentarem para os encarnados. Para Espíritos esclarecidos, trata-se apenas de
mera preferência.
Como entender, ao mesmo tempo, que a evolução prossegue na dimensão espiritual?
A evolução no Plano Espiritual não dispensa a prática que tem lugar no campo do
exercício terreno, condição diferenciada de residência transitória na matéria,
para consolidar mudanças e aprendizados. Somos muito vulneráveis às mudanças
quando ainda não tenham adquirido consistência na vivência prática, no exercício
das relações com os outros. As encarnações sucessivas, bem justificadas pelo
comentário em O Livro dos Espíritos em resposta da pergunta 619, reitera que “a
justiça da multiplicidade de encarnações do homem decorre deste princípio, pois
a cada nova existência, sua inteligência se torna mais desenvolvida e ele
compreende melhor o que é o bem e o que é o mal”. As sucessivas encarnações não
significam simples capricho da resolução criadora de Deus que se concretiza pela
evolução. É condição normal e prática uma vez que “a alma compreende a lei de
Deus, segundo o grau de perfeição a que tenha chegado e conserva a sua lembrança
intuitiva após a união com o corpo (...). É, como poderíamos dizer, a práxis do
Espírito.
Enéas Canhadas - Delfos