O Achado
I
Viajantes, seguindo, apresentavam bilhetes. Viajantes, chegando, mostravam
aspectos bizarros. Costumes de caroá, vestidos de algodão leve, grossas blusas
de lã e capas gaúchas.
Senhoras de passo lento surgiam, entremostrando saúde e alegria. Jovens risonhas
caminhavam com a desenvoltura de modelos em passarela.
Perdido na multidão do grande aeroporto, Marcelino Nunes divagava, contemplando
as hélices dos aviões de grande porte.
Relanceando o olhar em torno, via, encantado, o ambiente distinto.
O dinheiro corria em cédulas de mil.
Ninguém discutia a cobrança do excesso de malas, nem regateava a conta dos “souvenirs”,
vendidos a preço de escorchar.
Marcelino sonhava...
Queria ser como aqueles forasteiros que iam e vinham pelas alturas.
Desejava viajar, viajar, rotulando bagagem com etiquetas de hotéis dos
diferentes países.
“Turista importante, vida ideal” — pensava.
Mas para isso precisava de dinheiro, muito dinheiro.
Viera do interior buscando melhoria financeira na capital; entretanto, só
encontrara um emprego de ninharia, na conceituação dele mesmo.
Nada além de balconista numa loja de novidades.
— “Marcelino, desça aquela taça da prateleira!”
— “Nunes, tenho pressa. Faça o favor.”
Cansara-se de ouvir fregueses insípidos.
Enfadara-se.
E atingia os trinta anos, sem que lhe fosse possível coisa melhor.
O ordenado mal dava para pensão e condução.
Preocupado, escrevia para a mãezinha viúva, relatando-lhe os problemas.
Entretanto, a “velha”, na titulação com que lhe recordava o carinho, era
espírita militante, e respondia, serena:
— “Meu filho, dever correto é degrau para a verdadeira felicidade.”
— “A lei de Deus premia a perseverança no bem.”
— “ Não queira facilidades sem trabalho e suor.”
— “ Humildade, meu filho, mais humildade!”
Cada missiva materna era um apelo à energia moral.
Não reclamava; contudo, aborrecia-se.
— Ora essa! — costumava falar de si para consigo. — Pobre mãe! Sempre conselhos!
Os espíritas parecem atacados de indigestão filosófica...
Enquanto ruminava os seus problemas, a pequena multidão, no grande aeroporto,
exibia brasões.
Carteiras recheadas. Colares ricos. Alfinetes encastoados de pérolas. Pulseiras
de ouro.
Relógios caríssimos.
— Ah! Se eu tivesse dinheiro, mandava esta vida às favas — dizia Nunes
baixinho...
II
Descontente, Marcelino mastigava o cigarro, indo e vindo de um lado para outro.
Inquieto.
Solitário na turba.
Sedento de companhia.
Depois de longos minutos de insatisfação, sentou-se enquanto aguardava o ônibus.
No banco, apenas ele e um homem de bengala branca. Cego, de semblante sereno,
aguardando pessoa amiga.
Destacando-se ao alcance da mão, viu algo.
Um pacote bem feito em papel pardo.
Cigarros? Quem sabe?
Havia visto, há tempo, um grande pacote de cigarros norte-americanos
acondicionados daquela maneira.
Marcelino esperou.
Um moço veio e deu o braço ao companheiro de banco, retirando-se os dois.
A sós, não teve qualquer dúvida.
Não se vendo observado, arrebatou o pacote com naturalidade e saiu.
— Posso fumar alguns dias, sem preocupação — refletia.
Afastou-se e, logo após, tomando o ônibus, retornou ao seu quarto humilde.
A sós, abriu cuidadosamente o embrulho e, oh! surpresa!
Ali estavam cédulas de mil cruzeiros, novíssimas.
Deviam ter saído de casa bancária na véspera.
Marcelino contou o primeiro lote, retirando a cinta elástica.
Cem notas! E, constando o todo de vinte maços, estava na posse de dois milhões
de cruzeiros.
Trancou-se, cauteloso, arfando de emoção.
A consciência recomendava-lhe buscasse o dono, anunciando o achado.
Mas... por quê?
— Ajudaria a mãezinha cansada — argumentava —, seria útil a muitos amigos.
Sentia-se atrapalhado.
Via-se agora inseguro.
Não tinha lugar para tanto dinheiro.
Entretanto, o aposento era servido de boa chave e tinha, a mesa, gaveta sólida.
Invadido por pensamentos com que não contava, arquitetou a renovação.
Deixaria o emprego modesto.
Formaria novos hábitos.
Visitaria os familiares no interior, melhorando-lhes a sorte.
Em seguida, teria o seu próprio estabelecimento comercial.
Debalde tentou repousar naquela tarde de domingo.
À noite, buscou um cinema; contudo, não esperou pelo fim do filme.
A fortuna inesperada furtara-lhe a paz de espírito.
No dia seguinte, comunicou ao chefe a retirada e pedia lhe fosse dispensada
qualquer obrigação de aviso prévio.
O gerente aconselhou calma; entretanto, respondeu agressivo.
Disse que a loja lhe fora cárcere.
Não tencionava mais pôr os pés ali.
Queria começar vida nova.
Despediu-se da pensão pobre, ofendendo a dona da casa, referindo-se a pulgas
indomáveis e pratos malfeitos. Logo após, instalou-se em hotel.
Gastara quatro dias em mudanças e andanças.
Resolvendo buscar o interior no dia seguinte, foi a uma grande loja, para
compras.
Dando-se ares de importância, pediu a preparação de várias peças, em papel
especial para presentes.
As aquisições montaram em onze mil e seiscentos cruzeiros.
Marcelino entregou doze notas, e o moço, gentil, na caixa, pedindo para que
aguardasse o troco, afastou-se, solicitando um momentinho...
Alguns minutos passaram lentos, quando um agente policial chegou de improviso e
deu-lhe ordem de prisão.
Em meia hora, o quarto de hotel passou por impiedosa revista.
O dinheiro encontrado era, todo ele, em série completa de notas falsas.
Recolhido ao distrito policial, o pobre Nunes chorava em desespero...
Hilário Silva