Irmão X se Manifesta sobre o Problema da Cremação
Observada do
plano espiritual a celeuma no Rio de Janeiro, em torno da incineração
dos cadáveres, a ser estabelecida por lei, reparamos que o assunto não é
realmente para rir.
De um lado, temos os legisladores preocupados
com a terra dos cemitérios, e, de outro, as autoridades eclesiásticas
lançando a excomunhão sobre os responsáveis pelo movimento inovador.
Entre os atores da peça, vemos os defuntos de amanhã, sorridentes e bem
humorados, apreciando a pugna entre a igreja e a edilidade carioca.
Aqueles, como nós, que já atravessaram a garganta da sombra, seguem
a novidade, com a apreensão das pessoas mais velhas, à frente de um
parque de crianças.
O problema da cremação do corpo, realmente,
deveria merecer mais demorado estudo nos gabinetes legislativos.
Há muito caminho por andar, antes que o homem comum se beneficie com a
verdadeira morte.
A cessação dos movimentos do corpo nem sempre é
o fim do expressivo transe.
O túmulo é uma passagem especial, a
cujas portas muitos dormem, por tempo indeterminado, criando forças para
atravessá-la com o preciso valor.
Morrer não é libertar-se
facilmente.
Para quem varou a existência na Terra entre
abstinência e sacrifícios, a arte de dizer adeus é alguma coisa da
felicidade ansiosamente saboreada pelo Espírito, mas para o comum dos
mortais, afeitos aos “comes e bebes” de cada dia, para os senhores da
posse física, para os campeões do conforto material e para os exemplares
felizes do prazer humano, na mocidade ou na madureza, a cadaverização
não é serviço de algumas horas... Demanda tempo, esforço, auxílio e boa
vontade.
Por trás da máscara mortuária, muitas vezes, esconde-se
a alma, inquieta e dolorida, sob estranhas indagações, na vigília
torturada ou no sono repleto de angústia.
Para
semelhantes viajores da grande jornada, a cremação imediata do comboio
fisiológico será pesadelo terrível e doloroso.
Eis porque, se
pudéssemos, pediríamos tempo para os mortos.
Se a lei divina
fornece um prazo de nove meses para que a alma possa nascer ou renascer
no mundo com a dignidade necessária, e se a legislação humana já
favorece os empregados com o benefício do aviso prévio, porque razão o
morto deve ser reduzido à cinza com a carne ainda quente?
Sabemos
que há cadáveres, dos quais, enquanto na Terra, estimaríamos a urgente
separação, entretanto, que mal poderá trazer aos vivos o defunto
inofensivo, sem qualquer personalidade nos cartórios? Não seria justo
conferir algumas semanas de preparação e refazimento ao peregrino das
sombras, para a desistência voluntária dos enigmas que o afligem na
retaguarda? Acreditamos que ainda existe bastante solo no Brasil e
admitimos, por isso, que não necessitamos copiar costumes, em pleno
desacordo com a nossa feição espiritual.
Meditando na pungente
situação dos recém-desencarnados, no Rio, observo quão longe vai o tempo
em que os mortos eram embalados com a doce frase latina – “Requiescant
in pace”.
Não basta agora o enterro pacífico! É
imprescindível a apressada desintegração dos despojos! E se a lei não
for suavizada com a quarentena de repouso e compaixão para os
desencarnados, na laje fria de algum necrotério acolhedor, resta aos
mortos a esperança de que os saltitantes conselheiros da cremação de
hoje sejam amanhã igualmente torrados.
Irmão X