Amor Fraterno
A mais fundamental espécie de amor, que alicerça todos os
tipos de amor, é o amor fraterno. Entendo por isto o sentimento de
responsabilidade, de cuidado, de respeito por qualquer outro ser humano, o seu
conhecimento, o desejo de aprimorar-lhe a vida. Desta espécie de amor é que a
Bíblia fala, quando diz: ama ao teu próximo como a Si mesmo. O amor fraterno é o
amor por todos os seres humanos; caracteriza-se pela própria falta de
exclusividade. Se desenvolvi a capacidade de amar, então não posso deixar de
amar meus irmãos. No amor fraterno há a experiência da união com todos os
homens, da solidariedade humana, do sincronismo humano. O amor fraterno
baseia-se na experiência de que todos somos um. As diferenças de talento,
inteligência, conhecimento são mesquinhas em comparação com a identidade do
núcleo humano comum a todos os homens. A fim de sentir essa identidade é
necessário penetrar da periferia até ao núcleo. Se percebe em outra pessoa
principalmente a superfície, percebe principalmente as diferenças que nos
separam. Se penetro até ao núcleo, percebo nossa identidade, o fato de nossa
fraternidade. Essa relação de centro a centro, em vez de periferia a periferia,
é “relação central”. Ou, como Simone Weil expressou com tanta beleza: “As mesmas
palavras (por ex., um homem diz à sua esposa, ‘Eu te amo’) podem ser lugares
comuns ou extraordinárias, de acordo com a maneira por que sejam faladas. E essa
maneira depende da profundidade da região de um ser humano de que procedam, sem
que a vontade seja capaz de fazer qualquer coisa. E, por um maravilhoso
concerto, elas alcançam a mesma região em quem as ouve. Assim, o ouvinte pode
discernir, se tiver algum poder de discernimento, qual é o valor das palavras”.
(Gravit and Grace, Simone Weil, Londres, Routledge, 1955).
O amor fraterno é o amor entre iguais; mas, na verdade, mesmo como iguais não
somos sempre “iguais”; e por sermos humanos, temos todos necessidade de ajuda.
Hoje eu, amanhã tu. Essa necessidade de ajuda, todavia, não significa que um
seja desamparado e outro poderoso. O desamparo é uma condição transitória; a
permanente e comum é a capacidade de erguer-se e caminhar pelos próprios pés.
Contudo, o amor ao desamparado, o amor ao pobre e ao estranho é o começo do amor
fraterno. Amar a própria carne e sangue de alguém não é completa realização. O
animal ama suas crias e cuida delas. O desamparado ama seu protetor, pois sua
vida depende dele; o filho ama os pais, pois precisa deles. Só no amor aos que
não servem uma finalidade começa o amor a desdobrar-se. De modo significativo,
no Velho Testamento, o objeto central do amor humano é o pobre, o estrangeiro, a
viuva, o órfão, e por fim o inimigo nacional, o egípcio e o edomita. Tendo
compaixão pelo desamparado, o homem começa a desenvolver o amor por seu irmão; e
em seu amor por si mesmo ama também o que necessita de auxílio, o frágil, o
inseguro ser humano. A compaixão envolve o elemento de conhecimento e de
identificação. “Conheceis o coração do estrangeiro - diz o Velho Testamento -
pois fostes estrangeiro na terra do Egito;... portanto, amai o estrangeiro!” (A
mesma idéia foi expressa por Hermann Cohen em seu livro Religion de Vernuft aus
den Quellen des Judentums, 2a edição, J. Kaufmann Lerlag, Frankfurt sobre Meno,
1920, pág. 168 seg.).
Erick Fronn