O Novo Papa
Meus caros confrades
Meus votos de muita paz.
Permitam-me algumas breves considerações.
O mundo moderno, especialmente o Ocidente, viveu nos últimos dias a expectativa
da eleição papal, quando o supremo chefe da Igreja Católica Apostólica Romana
seria erguido ao trono pontifício, para a governança do imenso rebanho que se
espalha pelo mundo.
A pompa, o poder arbitrário, os interesses econômicos em jogo, os conciliábulos
políticos, ofereceram aos veículos midiáticos valiosa contribuição para
comentários intérminos.
E hoje, quando foi eleito o Papa, e escolheu o nome de Francisco, homenageando o
Pobrezinho de Assis e o inolvidável Francisco Xavier, divulgador do Cristianismo
nas Índias, no Japão, nas Filipinas, simbolizando a humildade do primeiro e a
solidariedade do segundo, perspectivas felizes abrem-se para um reinado
transitório que deve deixar assinaladas marcas históricas no seio da sociedade.
A multissecular organização humana tem vivido de crises.
Crimes hediondos foram praticados na ignorância da noite medieval.
Homicídios cruéis e bem urdidos, guerras lamentáveis e perseguições inomináveis
mancharam-lhe as páginas com o sangue de milhões de vítimas, em detrimento da
sublime política de amor enunciada e vivida por Jesus-Cristo.
Uma nova crise de dimensões imensas, não há muito, cindiu a estrutura religiosa
política e econômica do Vaticano tornado Estado.
A postura indigna dos administradores do Banco do Vaticano, as chagas morais e
purulentas do comportamento de alguns dos seus representantes religiosos, as
exigências da modernidade, a necessidade de ampliar os horizontes e
atualizá-los, de maneira compatível com os comportamentos hodiernos constituem
desafios máximos para Sua Santidade.
Merece considerar que toda organização rígida sofre as injunções penosas do
tempo e toda edificação que pretende preservar a tradição sem a necessária
adaptação ao meio ambiente e às novas formulações da vida, transformam-se em
decomposições carunchadas que o tempo vence.
Das lições inolvidáveis do Mestre no meio da multidão, passou-se da convivência
com o populacho sofrido e excluído da sociedade para a opulência da atualidade,
com olvido da pureza do Evangelho.
Nada obstante, porque mais de um bilhão de criaturas pertencem ao rebanho, Jesus
contempla com misericórdia as astúcias humanas e inspira todos aqueles que são
honestos na busca do Bem a que encontrem rápidas soluções para os imensos
problemas que ora se abatem sobre a sociedade e a grandiosa Instituição.
Merece considerar que o novo Papa, aclimatado a uma vida austera e simples,
despojado das tradições do poder e do orgulho foi elegido para poder criar uma
nova ponte, facultando a compreensão da vivência do Evangelho de Jesus, naquele
sentido transcendental e santo da fraternidade e da compaixão.
Dois requisitos tornam-se inseparáveis para definir a legitimidade de qualquer
doutrina religiosa: estabelecer a estrutura do Bem e da Caridade através do amor
e não fazer a outrem o que não deseja que se lhe faça.
Todas as teologias aí perdem os seus focos. Ou encontram a diretriz que não
seguem, estabelecendo paradigmas severos de interpretações complexas para o
grande desafio do Amor ou são consumidas pelo tempo.
Sem a essência da vida na sua total simplicidade, o Espiritismo, com a tarefa de
restaurar o Cristianismo na sua expressão mais singela, deve aprender com a
lição destes séculos a preservar a pureza da fé, a fraternidade legítima e
manter o espírito de compaixão e de solidariedade, para não se converter em uma
perigosa organização político-religiosa-econômica como o mundo exige, falhando
no objetivo essencial, que é iluminar as almas.
O Espiritismo possui como paradigma essencial a caridade, como Francisco a viveu
com o próprio coração, em Assis, e por onde deixou as pegada marcadas de sangue
nos caminhos percorridos. E também como executou o outro Francisco, Xavier,
levando Jesus às imensas multidões e sensibilizando-as de tal forma que as
conversões eram volumosas e festivas.
O exemplo desses Apóstolos, o espírita moderno deve e pode compreender, buscando
imitá-los.
A missão que lhe cabe construir no mundo é a da fraternidade, que os governos
não logram em razão das paixões políticas, nem a cultura vã que escraviza no
intelectualismo vazio, nem a tecnologia, que faculta todo conforto imaginável,
mas é responsável pelas guerras de extermínio...
Só Jesus pode realizá-la.
Todos nós, em uníssono, inscrevamos em nosso mundo íntimo a vida incomparável do
Galileu, que a nós nos fascina, entregando-nos, como rebanho, ao Seu cajado
amigo de segurança.
Agradecemos a vossa paciência para com as nossas reflexões.
O confrade
Lins de Vasconcelos