O Aviso de Bezerra
Tão preparados quanto possíveis para a marcha; Bezerra tomou a palavra
conselheiral, dando-nos a conhecer os percalços do caminho.
Não posso reproduzir-lhe as observações ao pé da letra, mas o grande benfeitor
anunciou que nos aguardariam surpresas dolorosas, na hipótese de não sabermos
manter serenidade e desapego. A exceção da irmã que a nós se reunira por último,
não detínhamos o poder da “irradiação luminosa”, condição de garantia ao êxito
da defensiva contra qualquer assédio das trevas. Estávamos quase todos, os
recém-libertos do corpo, desprevenidos quanto a semelhante recurso e distraídos
da preparação interior, não obstante a amplitude de nossa confiança em Deus.
Poderíamos, assim, cair em sintonia com as forças da ignorância, inimigas do
bem. Conservávamo-nos sob a custódia de elevados benfeitores que se interessavam
por nós e por nossos destinos; todavia, se manifestáramos certo esforço no
serviço da crença religiosa, fôramos mais apaixonados pela idéia elevada que
propriamente realizadores dela no mundo. Achávamo-nos agora num campo diferente
de matéria, onde só os conquistadores de si mesmos, no supremo bem ao próximo,
guardavam posição de realce e domínio. Enquanto no plano carnal, poderíamos
gastar a sagrada força da vida, lisonjeando os prazeres da plenitude física,
esquecidos da exercitar as energias internas. Aqui, porém, éramos obrigados a
reajustar apressadamente o cabedal de nossos recursos íntimos, centralizando-os
na sublimação da vida, em face do porvir, se não quiséssemos dilatar a
permanência nos círculos inferiores, acentuando qualidades menos dignas. A
jornada, pois, representava a primeira experiência importante para nós,
reclamando a nossa determinação de prosseguir para o alto, com o máximo
desprendimento da velha estrada de lutas que abandonávamos. De outro modo,
provavelmente seríamos colhidos por emoções negativas, inclinado-nos para o
retorno.
A advertência de Bezerra calou fundamente em todos nós que o ouvíamos, guardando
noção daquela hora grave.
Reparando que era grande o número dos que ali se mantinham como que
narcotizados, indaguei de Marta, em tom discreto, como se comportariam eles ante
o severo aviso, informando-me a filha de que diversos dos irmãos em “traumatismo
psíquico” despertariam em breves instantes, tanto quanto lhes fosse possível, e
que, no fundo, cada qual registrava a advertência a seu modo, segundo lhes
permitia a capacidade de entendimento, ainda mesmo considerando a posição de
semi-inconsciência em que se achavam.
Pretendia formular ligeiro, inquérito, com respeito à “irradiação luminosa” a
que Bezerra se referira, mas Marta me pediu, bondosa deixasse as perguntas para
depois.
Irmão Jacob