Na Edificação

Os ociosos de todos os tempos sempre encontram infinitos recursos, para escapar ao círculo das obrigações que lhes competem. Comumente, estão queixosos e desalentados. Para eles, os melhores cargos estão providos, no templo de serviço em que trabalham; as maiores realizações já foram levadas a efeito; as estações do ano trazem variações decisivas que os compelem à permanência no lar; as relações sociais são algemas que os agrilhoam às longas conversações, os menores sintomas de enfermidade constituem ensejo a dilatadas teorias sobre diagnoses diversas. Estão rodeados de obstáculos e não realizam coisa alguma. Gastam fortunas para que ninguém os aborreça e se alguém lhes pede contas dessa ou daquela edificação, explicam que não tiveram sorte, essa sorte por eles transformada num gênio cego que distribui os favores divinos, a torto e a direito.

Assim acontece, igualmente, no campo das realizações de ordem espiritual. É incontável o número de pessoas que se aproximam das fontes espiritistas, afirmando-se desejosas de iluminação. Querem as bênçãos da esfera superior, desejam aquisições mediúnicas, pretendem participar dos serviços de auxílio. Entretanto, em todos os cometimentos do progresso legitimo, o problema da construção não se resume à palavra. É necessário dispor de material efetivo na concretização dos propósitos elevados. A casa reclama pedra e cal. A ferrovia pede trilhos adequados. A usina solicita aparelhagem. Se, na vida física, há necessidade do aproveitamento de recursos vivos e substanciais, como dispensar a boa vontade e os valores do homem, nas edificações do espírito?

Inúmeros corações dirigem-se a nós, suplicando auxílio, mas, como ministrar-lhes o socorro fraterno? Esperam que as almas desencarnadas lhes tomem a iniciativa, subtraindo-os a toda espécie de responsabilidades e preocupações.

Que movimento doutrinário, porém, seria esse em que os amigos experientes, a pretexto de proteção e socorro, instituiriam o regime da irresponsabilidade e da preguiça sistemática? Estariam os mortos tão desocupados, não recebendo da vida outra obrigação que essa de converter a grande universidade da existência humana em simples jardim da infância?

Bondosos amigos nossos comparecem às reuniões do Espiritismo e aguardam fenômenos estupefacientes. Intentam consolidar a fé e se dizem necessitados de paz íntima; todavia, esperam as manifestações maravilhosas dos desencarnados, como se todas as suas construções interiores dependessem disso. Às vezes, recebem o que pedem, mas ficam na situação do espectador que se espantou no circo, vendo as acrobacias do atleta, dançando numa corda frágil, a quinze metros de altura, ou contemplando, boquiaberto, o mágico que engole fogo.

Findo o espetáculo, volta para casa, a fim de atender às obrigações pertinentes à família e à rotina de luta redentora. Ocorre o mesmo, nas observações espirituais. Terminada a injeção de emotividade, o estudante, o crente e o investigador regressam ao campo habitual, onde os deveres de cada dia lhes aguardam o testemunho de amor e compreensão.

Daí essa necessidade de renovação do pensamento que os desencarnados esclarecidos apregoam.

Muitos companheiros se aproximam de nosso plano e pedem qualidades de cooperação, esquecendo-se, porém, de que eles são portadores delas. Apenas necessitam dilatá-las, com educação e proveito. Esse desenvolvimento, contudo, não pode ser uma realização do exterior para o interior. Não são os Espíritos que, desenvolvem os médiuns e sim estes que apuram as faculdades receptivas, alargando as suas possibilidades de colaboração e valorizando-as pelo estudo constante e pela aplicação própria às obras da verdade e do bem.

Que dizer de uma pessoa que aspira ao diploma de médico, detestando os doentes? Como apreciar o falador pedante que deseja cooperar nos serviços da sabedoria, mantendo-se nos círculos escuros da ignorância? Outros propõem-se a receber a luz brilhante do cume, entretanto, sentem receio do caminho. Temem as pedras, os espinhos e as serpentes prováveis, talvez ocultas nas várias regiões que separam o vale da montanha. Obrigá-los a ajudar o enfermo, a soletrar o alfabeto e a fugir das tentações, não é atitude compatível com a lei de vida e liberdade que nos rege.

O próprio Jesus, segundo a venerável lição do Evangelista, permanece à porta e bate. Se alguém abrir, Ele entrará com as bênçãos divinas. Ele, o Mestre, traz a sabedoria, o amor, a luz e a revelação, mas não tem a chave, que pertence ao aprendiz, filho de Deus e herdeiro da vida eterna, como Ele próprio. Poderia, efetivamente, violentar a habitação e destruir o impedimento. Foi o Cristo, Senhor e Organizador do Planeta, quem forneceu ao usufrutuário do mundo a matéria prima para a edificação temporária em que se mantém, mas, Administrador Consciencioso e Justo, sabe que, acima de tudo, permanece a autoridade do Pai, e espera, nos casos de rebeldia e endurecimento, que o Doador Universal se manifeste. E, por vezes, a ordem suprema é de bombardeio demolidor. Aí, então, não há necessidade de chave para a abertura. Os impactos diretos do sofrimento modificam a habitação, apenas com a circunstância desagradável de que o dono por muito tempo se aprisiona na perturbação e na dor, antes de retomar a oportunidade de nova construção.


Irmão X