Intercâmbio
Cada criatura tem as companhias espirituais que lhe influenciam a vida.
Afirmavam os antigos : “dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és”. atualmente,
com os novas conhecimentos que felicitam os homens, poderíamos dizer : “dize-me
o que fazes e dir-te-ei com quem andas”.
Há companheiros invisíveis de todas as expressões.
Presentemente, em face das realizações espiritistas, somente os médiuns
confessos são considerados pessoas de convívio com a espiritualidade.
Entretanto, a verdade é que ninguém foge à regra. No lar, no trabalho, dentro
das luzes do dia e das sombras da noite, atuam os mortos sobre os vivos, como os
vivos atuam sobre os mortos.
Onde, porém, mais se patenteia a técnica da inspiração é justamente no círculo
dos que escrevem. Por isso mesmo, é mais que desarrazoada a crítica desfavorável
de escritores e jornalistas, diante doa fenômenos das manifestações
“post-mortem”. A estranheza dos beletristas, que se julgam senhores absolutos da
arte de expressão, é sintoma de presunção ou burrice. Desde a Grécia, temos no
mundo a história das nove filhas invisíveis de Júpiter, que presidiam às artes
liberais, orientando-lhes as realizações. E homem algum que se consagre ao altar
do pensamento desconhece a imperiosa necessidade de absorver as inspirações que
o cercam.
A profissão das letras é a que oferece maior oportunidade de observação nesse
sentido. A elaboração das idéias para os milagres do verbo fecundo não dispensa
as criações espontâneas, em que os semeadores da beleza imortal lançam o sopro
dos sentimentos divinos. Toda alma, no campo da meditarão, é um canteiro de
possibilidades infinitas à semeadura espiritual.
O próprio Cristo, de quando em quando, retirava-se para a solidão de si mesmo,
com o propósito de ouvir o Pai, no Grande Silêncio.
Os discípulos, atormentados pelas perseguições e fustigados pelo suplício,
concentravam-se em si mesmos, abstraindo-se do exterior e procurando a palavra
do Mestre na esfera silenciosa do coração. Simão Pedro afasta-se do tumulto de
Jerusalém, no santuário da prece, e ouve-lhe a voz, utilizando a audição da
consciência no êxito do apostolado sublime. Madalena reencontra-o, a fim de
reerguer o espírito vacilante. Paulo de Tarso é chamado por Ele, na estrada de
Damasco, dedicando-lhe para sempre o coração valoroso. Ananias, o discípulo
humilde, recebe-lhe as advertências para o bem.
Mas não necessitamos recorrer exclusivamente à vida dos fiéis seguidores de
Jesus. A existência de todas as criaturas permanece repleta de influenciações de
natureza invisível.
Alighieri não fez obra de pura imaginação, ao escrever a “Divina Comédia”.
Amigos intangíveis na Terra arrebatam-lhe a alma, oferecendo-lhe informações das
esferas espirituais imediatas ao mundo sombrio, embora o poeta condicione as
visões à sua época, ao seu meio e aos seus estados psíquicos. Tasso sente-se
tomado de influências estranhas, ao grafar a “Jerusalém Libertada”. Milton, cego
e esquecido pelos contemporâneos que o bajulavam ao tempo de Cromwell, sente
raios divinos de inspirarão, na treva em que os seus olhos mergulham, e
transmite à esposa e às filhas o seu famoso “Paraíso Perdido”. O nosso Bilac
sentia-se tocado de misteriosas fôrças, na composição dos seus versos mais
belos. Cruz e Souza, o poeta negro, fala-nos de portas douradas e sacrários
liriais do santuário de seu mundo interior.
Mas, nem sempre as companhias invisíveis são as melhores, não obstante a
inteligência com que assistem os seus tutelados. Lorde Byron confessava
experimentar a mente ocupada por pensamentos grandiosos, que não lhe pertenciam,
e afirmava que “era preciso vazar o cérebro ou perder a razão”. Todavia, os
caminhos em que perseverou não foram os mais desejáveis. Camilo Castelo Branco,
depois de aproveitar os favores dos amigos desencarnados que o seguiam,
cooperando em suas criações mentais e desenvolvendo-as, fornecendo-lhe imagens e
sugestões para os seus livros, cheios de lances dramáticos, suicida-se,
revoltado ante a cegueira e a velhice. Albino Forjaz de Sampaio, literato de
talento brilhante, concorda em atender ao gênio diabólico que lhe inspirou as
“Palavras Cínicas”, livro demolidor do caráter e inimigo da juventude. Antero de
Quental, após escrever poemas de inspiração verdadeiramente sublime, deixa-se
empolgar pelos alvitres odiosos daqueles que lhe sopram a idéia da morte
voluntária, compelindo-o a lesar a confiança divina.
Não há pensamento sem origens, como não há rios sem fontes.
Os dois mundos, o dos mortos e o dos vivos, interpenetram-se a todos os
instantes. Os Espíritos encarnados influenciam-nos as esferas de ação, toda a
vez que escapam momentânea e imperfeitamente do corpo, enquanto os desencarnados
atuam sobre eles, toda a vez em que os seus pensamentos se voltam para pessoas,
situações e coisas da vida carnal.
É impossível evitar o convívio ou o conflito entre as inteligências individuais
nos dois planos. E esse intercâmbio anuncia-se cada vez mais intenso, apenas
verificando-se muita discrição e vigilância, por parte dos desencarnados
esclarecidos, que precisam manter grande cuidado na identificação de si mesmos,
perante os seus inquietos e precipitados amigos do mundo, os quais, no campo de
ignorância em que ainda se mantêm, cercados de estranha defensiva, promovem a
simples fantasmas os irmãos que mudaram de casa, em razão das exigências da
morte.
Irmão X