Lição em Jerusalem
Muito significativa a entrada gloriosa de Jesus em Jerusalém, de que o texto
evangélico nos fornece a informarão. A cidade conhecia-o, desde a sua primeira
visita ao Templo, e muita gente, quando de sua passagem por ali, acorria,
pressurosa, a fim de lhe ouvir as pregações. O povo judeu suspirava por alguém,
com bastante autoridade, que o libertasse dos opressores. Não seria tempo da
redenção de Israel? A raça escolhida experimentava severas humilhações. O romano
orgulhoso apertava a Palestina nos braços tirânicos. For isso, Jesus simbolizava
a renovação, a promessa. Quem operara prodígios iguais aos dele? Profeta algum
atingira aquelas culminâncias. A ressurreição de Lázaro, enfaixado no túmulo,
com sinais evidentes de decomposição cadavérica, espantava os mais ilustres
descendentes de Abraão. Nem Moisés, o legislador inesquecível, conseguira
realização daquela natureza. E o povo, naqueles dias de festa tradicional, se
dispôs a homenageá-lo, em regra. Receberia o profeta com demonstrações
diferentes. Mostraria aos prepostos de César que Jerusalém não renunciava aos
propósitos de libertação, ciosa de sua autonomia, e, agora, mais que nunca,
possuía um chefe político à altura dos acontecimentos.
Jesus, certamente, não atenderia às imposições dos sacerdotes e nem se
submeteria ao suborno, ante as promessas douradas dos áulicos imperiais.
Em vista disso, quando o Mestre saiu de Betânia, a caminho da cidade,
alinharam-se fileiras de populares, saudando-o festivamente.
Anciães de barbas encanecidas acompanhavam o coro dos jovens: – “Hosanas ao
filho de David!” As mulheres gritavam, entusiasticamente, amparando criancinhas
a sustentarem, com graça, verdes ramos de palmeira.
Os discípulos, ladeando o Mestre, sentiam o efêmero júbilo provocado pelo
mentiroso incenso da multidão. Os fiéis galileus, guindados inesperadamente ao
cume da popularidade, inclinavam-se com desvanecimento, embriagados pelo
triunfo.
De espaço a espaço, esse ou aquele patriarca fazia sinais a Pedro, Filipe ou
João, convidando-os a se pronunciarem discretamente:
– Quando se manifestará o Messias?
Os interpelados assumiam atitude de orgulhosa prudência e respondiam, quase
sempre, a mesma coisa:
– Estamos certos de que a homenagem de hoje é decisiva e o Messias dar-nos-á a
conhecer o plano das nossas reivindicações.
Jesus agradecia aos manifestantes de Jerusalém com o olhar, mostrando, porém,
melancólicos sorrisos.
Demonstrando compreender a situação, logo após convocou os discípulos para uma
reunião mais íntima, em que lhes diria algo de grave.
Interpelados por alguns amigos, Tiago e João, filhos de Zebedeu, informaram
quanto ao anúncio do Mestre. Discutiria as questões do presente e do futuro, e,
possìvelmente, seria mais claro nas definições políticas da ação renovadora.
Por esse motivo, enquanto o Cristo e os companheiros tornavam a refeição frugal
do cenáculo, verdadeira multidão apinhava-se, discreta, nas adjacências. O povo
aguardava informações do colégio apostólico, entre a ansiedade e a esperança.
Finda a reunião, e enquanto Jesus e Simão Pedro se demoravam em confidências,
seis discípulos vieram, cautelosos, à via pública. A fisionomia deles denunciava
preocupações e desencanto.
Começaram os comentários, entre os intelectualistas de Jerusalém e os pescadores
da Galiléia.
– Que disse o profeta? – perguntou o patriarca, chefe daquele movimento de
curiosidade – explicou-se, afinal?
– Sim – esclareceu Filipe com benevolência.
– E a base do programa de nossa restauração política e social?
– Recomendou o Senhor para que o maior seja servo do menor, que todos deveremos
amar-nos uns aos outros.
– O sinal do movimento? – indagou o ancião de olhos lúcidos.
– Estará justamente no amor e no sacrifício de cada um de nós – replicou o
apóstolo, humilde.
– Dirigir-se-á imediatamente a César, fundamentando o necessário protesto?
– Disse-nos para confiarmos no Pai e crermos também nele, nosso Mestre e Senhor,
– Não se fará, então, exigência alguma?
– exclamou o patriarca, irritado.
– Aconselhou-nos a pedir ao Céu o que pôr necessário e afirmou que seremos
atendidos em seu nome – explicou Filipe, sem se perturbar.
Entreolharam-se, admirados os circunstantes.
– E a nossa posição? – resmungou o velho – não somos o povo escolhido da Terra?
Muito calmo, o apóstolo esclareceu:
– Disse o Mestre que não somos do mundo e por isso o mundo nos aborrecerá, até
que o seu Reino seja estabelecido.
Espoucaram as primeiras gargalhadas.
– Mas o profeta – continuou o israelita exigente – não assinou algum documento,
nem se referiu a qualquer compromisso com as autoridades?
– Não – respondeu Filipe, sincero ingênuo –, apenas lavou os pés dos
companheiros.
Oh! para os filhos vaidosos de Jerusalém era demais. Surgiram risos e protestos.
– Não te disse, Jafet? – falou um antigo fariseu ao patriarca. – Tudo isso é uma
farsa.
Um moço pedante afiançou, depois de detestável risada:
– Muito boa, esta aventura dos pescadores!
Dentro de alguns minutos, via-se a rua deserta.
Desde essa hora, compreendendo que Jesus cumpria, acima de tudo, a Vontade de
Deus, longe de qualquer disputa com os homens, a multidão abandonou-o. Os
discípulos, reconhecendo também que êle desprezava todos os cálculos de
probabilidade do triunfo político, retraíram-se, desapontados. E, desde esse
instante, a perseguição do Sinédrio tomou vulto e o Messias, sozinho com a sua
dor e com a sua lealdade, experimentou a prisão, o abandono, a injustiça, o
açoite, a ironia e a crucificação.
Essa, foi uma das ultimas lições dÊle, entre as criaturas, dando-nos a conhecer
que é muito fácil cantar hosanas a Deus, mas muito difícil cumprir-lhe a Divina
Vontade, com o sacrifício de nós mesmos.
Irmão X