Jesus na Samaria
Descendo Jesus de Jerusalém para Cafarnaum, seguido de alguns discípulos, nas
suas habituais jornadas a pé, alcançou a Samaria, quando o crepúsculo já se
fazia mais sombrio.
Felipe, André e Tiago, estando com fome, deixaram o Mestre a repousar junto de
uma pequena herdade e demandaram o lugarejo mais próximo, em busca de alimento.
O Messias, olhando em torno de si, reconheceu que se encontrava ao lado da Fonte
de Jacob. Envolvida nos revérberos do Sol que ia ceder lugar às sombras da noite
que se aproximava, uma mulher acercou-se do antigo poço e observou que o Mestre
lhe ia ao encontro com a bela e costumeira placidez do semblante, e lhe pedia de
beber.
- Como sendo tu um judeu, me pedes um favor a mim, que sou samaritana?
Jesus descansou na interlocutora o olhar tranqüilo e redargüiu:
- Os judeus e samaritanos terão por ventura, necessidades diversas entre si? Bem
se vê que não conheces os dons de Deus, porquanto se houvesse guardado os
mandamentos divinos, compreenderias que te posso dar água viva.
- Que vem a ser essa água viva? – inquiriu a samaritana impressionada. Onde a
tens, se a água aqui existente é apenas a deste poço? Acaso serias maior que
nosso pai Jacob que nô-la deu desde o princípio?
- Mulher, a água viva é aquela que sacia toda sede: vem do amor infinito de Deus
e santifica as criaturas.
E envolvendo a samaritana no doce magnetismo de seu olhar, continuou:
- Este poço de Jacob secará um dia. No leito da terra em que agora repousam suas
águas claras, a serpente poderá fazer seu ninho. Não sentes a verdade de minhas
afirmativas, ante a tua sede de todos os dias? Não obstante levares cheio o
cântaro, voltarás logo ao poço, com uma nova sede. Entretanto, os que beberem da
água viva estarão eternamente saciados. Para esses não mais haverá a necessidade
material que se renova a cada instante da vida. Perene conforto lhes refrescará
os corações através dos caminhos mais acidentados, sob o sol ardente dos
desertos do mundo...
A mulher escutava presa de funda impressão, aquelas palavras que lhe chegavam ao
santuário do espírito com a solenidade de uma revelação.
- Senhor, dá-me dessa água! - exclamou interessada.
- Mas ouve! - disse-lhe Jesus. E o Mestre passou a esclarecê-la sobre fatos e
circunstâncias íntimas de sua vida particular, explicando-lhe o que se fazia
necessário para que a sagrada emoção do amor divino lhe iluminasse a alma,
afastando-a de todas as circunstâncias penosas da existência material.
Observando que não havia segredos para Jesus, a samaritana chorou e respondeu:
- Senhor, vejo que és de fato um profeta de Deus. Meu espírito está cheio de boa
vontade e desde muito penso na melhor maneira de purificar a minha vida e
santificar os meus atos. Entretanto, é tal a confusão que observo em torno de
mim, que não sei como adorar a Deus. Os meus familiares e vizinhos afirmam que é
indispensável celebrar o culto ao todo Poderoso neste monte (Garizim). Os judeus
nos combatem e asseveram que nenhuma cerimônia terá valor fora dos muros de
Jerusalém. As discórdias nesta Região têm chegado ao cúmulo. Já que tenho a
felicidade de ouvir as tuas palavras, ensina-me o melhor caminho.
O Mestre observou-a compadecido e exclamou:
- Tens razão. As divergências têm implantado a maior desunião entre os membros
da grande família humana. Entretanto, o pastor vem ao redil para reunir as
ovelhas que os lobos dispersaram. Em verdade, afirmo-te que virá um tempo em que
não se adorará a Deus nem neste monte, nem no templo suntuoso de Jerusalém.
Porque o Pai é Espírito e só em espírito deve ser adorado. Por isso venho abrir
o templo dos corações sinceros para que todo culto a Deus se converta em íntima
comunhão entre o homem e seu criador.
Suave silêncio se fez entre ambos. Enquanto Jesus parecia sondar o invisível com
o seu luminoso olhar, a samaritana meditava.
Daí a alguns instantes, acompanhados de grande número de populares, chegavam os
discípulos, admirando-se todos de encontrarem o Messias em conversação íntima
com uma mulher. Nenhum deles todavia aventurou qualquer observação menos digna
ou imprudente. Observando que o Messias se preparava para retirar-se em busca da
aldeia mais próxima,a samaritana impressionada com as suas revelações, solicitou
a presença de seus familiares e vizinhos, a fim de lhe ouvirem a palavra.
Tiago e André haviam trazido pão e frutas, insistindo com Jesus para que se
alimentasse. O Mestre, porém, aproveitou o instante pra mais uma vez ensinar o
caminho do Reino, com as palavras amigas, compondo parábolas singelas. Muita
gente se aglomerava para ouvi-lo. Eram viajantes que demandavam regiões
diferentes, a par de grande grupo de samaritanos de opiniões exaltadas. A enorme
assembléia se pôs a caminho, mas o Messias continuou espalhando as suas
promessas de esperança e consolação.
Nesse ínterim, Felipe consultou os companheiros e, aproximando-se de Jesus,
rogou-lhe carinhosamente:
- Mestre, por favor, aceitai um pouco de pão.
- Não se preocupes, Felipe – disse o Messias. – Não tenho fome. Aliás, recebo um
alimento que talvez meus próprios discípulos ainda não puderam conhecer.
- Qual? – atalhou o apóstolo com interesse.
- Antes de tudo, meu alimento é fazer a vontade daquele Pai misericordioso e
justo que a este mundo me enviou, a fim de ensinar o seu amor e a sua verdade.
Meu sustento é realizar sua obra.
- É verdade – observou o discípulo, olhando a multidão que os acompanhava.
Levaremos para Cafarnaum mais este triunfo, porque é incontestável que obtiveste
aqui entre os samaritanos um dos nossos maiores êxitos.
Tiago e André ouviam silenciosos o diálogo.
Às palavras entusiásticas do apóstolo, o Mestre sorriu e acrescentou:
- Não é isso propriamente o que me interessa. O êxito mundano pode ser uma
ondulação de superfície. O que necessitamos em todas as situações é atender o
que o Pai deseja de nós. Como todo o seu apelo é o do bem, eu trabalho, mas sem
me prender ao anseio das vitórias imediatas.
E dirigindo o olhar para a turba compacta de seus seguidores, exclamou para os
companheiros:
- Acaso já poderíamos admitir que somos compreendidos? Calemo-nos por alguns
instantes a fim de ouvirmos a opinião dos que nos seguem os passos.
Fez-se silêncio entre ele e os três discípulos, de modo que podiam ouvir
distintamente os diálogos travados entre os que os acompanhavam.
- Acreditas que seja este homem o Cristo prometido? – perguntava um samaritano
de boa figura a seus amigos – De minha parte, não aceito semelhante impostura.
Este nazareno é um explorador da piedade popular.
- É certo – concordava o interpelado –mesmo porque em sua terra, não chega a
valer um denário. Pelos parentes é tido como inimigo do trabalho e há quem
duvide da sua preguiçosa cabeça.
- É um louco de boa aparência – exclamava uma mulher idosa para a filha – pelo
menos esta é a opinão que já ouvi de habitantes de Cafarnaum; entretanto para
mim, acredito que seja um grande velhaco. Porque se meteu com pescadores quando
alega ser tão sábio? Por que não se transfere para Jerusalém ou Tiberíades? Bem
sabe a razão disso. Lá encontraria homens cultos, que lhe confundiriam a
presunção.
Mais próximo de Jesus, um rapaz sentenciava em voz discreta:
- Quando chegamos, foi ele achado sozinho com uma mulher. Que te parece esta
circunstância?
- Perguntava a um companheiro de caminhada.
- Certamente desejava salvá-la a seu modo. – Replicou com malicioso riso o
inquirido.
Num grupo vizinho, falava-se acaloradamente:
- Este homem é um espertalhão orgulhoso – dizia convicto um velhote – só faz
milagres junto das grandes multidões, para que sintam virtudes sobrenaturais nas
suas mágicas.
E não tem caridade – acrescentou outro – pois ainda há pouco tempo, quando o
procuraram em Cafarnaum para um sinal do Céu, fugiu para o monte, sob o protesto
de fazer orações.
A noite começava a cair de todo. No alto brilhavam as primeiras estrelas. Jesus
sentou-se com os discípulos, à margem do caminho, para um momento de repouso.
André , Tiago e Felipe estavam espantados com o que tinham visto e ouvido.
Aparentemente o Mestre aureolado de imenso êxito; entretanto, verificaram a
profunda incompreensão do povo. Foi então que Jesus, com a serenidade de todos
os instantes os esclareceu cheio de sua bondade imperturbável:
- Não vos admireis da lição deste dia. Quando veio o Batista, procurou o
deserto, nutrindo-se de mel selvagem. Os homens alegaram que em sua companhia
estava o espírito de Satanás. A mim, pelo motivo de participar das alegrias do
Evangelho, chama-me glutão e beberrão. Esta é a imagem do campo onde temos que
operar. Por toda parte encontraremos samaritanos discutidores, atentos aos
êxitos e referências do mundo. Observai a estrada para não cairdes, porque o
discípulo do Evangelho não se pode preocupar senão com a vontade de Deus, com o
seu trabalho sob as vistas do Pai e com a aprovação de sua consciência.
Humberto de Campos