Contrabando
- Acautele-se, meu filho! Fuja de qualquer desrespeito ao caminho legal.
Resigne-se ao dever. O trabalho honesto á a vida segura. Pode haver embaraço,
sim. Pode haver. Mas o suor na obrigação bem cumprida é o preço correto da
verdadeira felicidade! – assim falava o Espírito de Da. Maria Clara ao seu filho
Leonardo, através do médium. – Não queira contrabando. Você é tintureiro. Cuide
da roupa limpa, que é serviço de Deus. Lembre-se de que, às vezes, tudo
exigindo, costumamos tudo perder. A criatura tem livre-arbítrio para melhorar o
destino ou agravá-lo, todos os dias.
Entretanto, ali mesmo, ao término da sessão, Leonardo Madeira falava aos amigos:
- Ora, ora. Minha mãe mora noutro mundo... Aposto que mudaria se estivesse no
nosso...
Tenho um filho para educar e o colégio é um osso duro... Minha vida é meu filho.
Jurei que não terá de futuro as minhas dificuldades...
- Mas ouça, Leonardo – falava Serra, um dos diretores do templo -, você precisa
considerar... Se você realmente negocia de forma clandestina...
- Clandestina, por que? Meu trabalho é tão lícito quanto os outros. Compro e
vendo, é tudo que faço.
E Leonardo continuou. Ricardo era o filho feliz.
Para estudos de Ricardo, passeios de Ricardo, exigências de Ricardo e loucuras
de Ricardo, fizera-se o receptador de perfumes e isqueiros, revólveres e rádios,
no comercio ilegal.
Burlava, com esmero, os agentes do fisco. E a renda aumentava. Chegou, porém, a
noite de enorme desilusão.
Recebera Leonardo três revólveres finos para passa adiante. À noite, o filho,
alcoolizado em festa junina, chega em casa e deslumbra-se.
Observa um exemplar, apalpa o outro, ainda o terceiro. Por fim, simpatiza mais
fortemente com um deles. E tem a idéia louca de disparar, como complemento aos
folguedos daquela noite.
Carrega a arma e experimenta, mas os dedos tremem, altera-se a direção e a bala
lhe vara o peito. Rebuliço. Gritaria. Corre-corre. Ambulância. Mas, em poucos
minutos, Leonardo, desalentado, recolhe o filho morto.
Hilário Silva