Na Luta Contra a Morte
Anos a fio gastou Pasteur na preparação da vacina contra a raiva. O grande
sábio observava camponeses e citadinos vitimados pela hidrofobia e, aliando à
perseverança o trabalho, venceu o flagelo, convertendo-se em benfeitor da
Humanidade. Édison lutou contra a velha iluminação a gás, a fim de expulsar
efetivamente as sombras noturnas. Suou, esforçou-se, sofreu decepções e
desenganos; muita vez conheceu a iminência do soçobro de seus ideais. Contudo,
terminou a batalha, conquistando a lâmpada incandescente, que transformou as
cidades terrestres em paraísos de luz.
A história das grandes missões de benemerência no mundo está repleta de
sofrimentos e desilusões. Não raro, torturam-se os missionários, quando não se
pode consumi-los pelo fogo. Onde, porém, a conquista evolutiva se torna mais
difícil e dolorosa é justamente no setor da renovação íntima, espiritual. A
vaidade humana fez da religião um terreno proibido, onde toda expressão
progressista se efetua ao preço de dobradas angústias. A Ciência e a Filosofia,
sem dúvida, possuem os seus mártires. No entanto, em suas escolas há sempre
lugar para os trabalhos de aperfeiçoamento e renovação. Seus benfeitores, na
maioria das vezes, são objeto de críticas acerbas que não passam, quase sempre,
de ironias verbais ou do ostracismo na classe a que pertencem, mas, no campo
religioso, os movimentos de perseguição caracterizam-se por condenável insânia.
Não fosse o aprimoramento judiciário do mundo, não tivéssemos a sociologia
inspirando tribunais e juízes, na vanguarda do direito, e talvez prosseguisse a
matança religiosa, decorrente dos processos inquisitoriais. Basta que o
estudante da verdade aviste pequenino detalhe do mapa da vida eterna para que
milhares de sacerdotes e autoridades supostas infalíveis se convertam nos
instrumentos de maldição.
É preciso muita coragem moral para não sucumbir aos golpes da guerra
sistemática, movida na sombra.
Para não nos referirmos, fastidiosamente, aos mártires inúmeros da fé, que
tombaram nas perseguições de todas as épocas, recordemo-nos tão só de Giordano
Bruno. O eminente filósofo italiano, que convivera com o pensamento de Pitágoras
e Plotino, desde a meninice, assombrando os clérigos do convento de dominicanos,
a que se recolhera na preparação do seu ministério de renovação religiosa,
desprezou as resoluções dos concílios, cristalizadas em dogmas aviltantes, para
ensinar o caminho da nova era. Através de salões e universidades, tribunas e
praças públicas, afirma Bruno que o Universo é ilimitado, que a Terra não é o
centro da vida, mas humilde dependência no concerto glorioso dos mundos que
rolam, inumeráveis, no plano universal. Esclarece que o Sol não é um corpo
errante, entre as nuvens, com a simples função de aclarar a superfície
planetária e sim a gigantesca sede de globos diversos, que lhe recebem o
poderoso influxo renovador. Explica que a vida é infinita e se encarna, através
de infinitas formas, em todos os lugares. Exalta a grandeza da existência posta
ao serviço do bem e da verdade, glorificando, em tudo, a universalidade divina.
Mas os sacerdotes da convenção estabelecida não toleram o herói e, no dia 17 de
fevereiro de 1600, seu corpo foi reduzido a cinzas, em Roma, numa fogueira acesa
pelo sectarismo intransigente. Assegura um de seus historiadores que as chamas
que lhe destruíram o corpo foram os primeiros sinais da aurora dos tempos
modernos.
Não nos referimos, porém, a isso, como quem pretende encetar novos movimentos de
discussão. Para dificultar o acesso das almas à Fonte da Revelação Divina,
bastam as polêmicas insidiosas dos homens, despreocupados da responsabilidade
que assumem pelo que dizem.
Apenas reafirmamos, do plano espiritual, a nossa plataforma de serviço, na luta
contra a morte.
Nos mais remotos recantos do globo surgem raios divinos da luz imortal, dentro
da espessa noite da ignorância, destruindo as antigas muralhas de incompreensão
que sitiam a inteligência das criaturas. O sacerdócio organizado, porém, não nos
tolera as manifestações tendentes a efetuar a renovação religiosa do mundo. E
porque não nos pode subtrair agora à liberdade que respiramos noutras dimensões,
institui a represália fria e silenciosa contra os nossos companheiros mais
corajosos que ainda envergam a túnica de carne nas atividades terrenas. O Santo
Ofício desapareceu, mas ficaram a ironia e o ridículo, a animosidade gratuita e
a guerra sem declaração.
Apesar de tudo isso, porém, continuaremos em nossa obra de liberação da mente
humana.
Nossos adversários do sectarismo religioso recordam o nome do Cristo,
amparando-se nele para sustentar as posições políticas e sociais que retêm, a
pretexto de manter o prestígio da religião. Suscitam escândalos, reclamam
repressões, mobilizam contra nós os órgãos do poder temporal. Como, porém,
instituir oposição ao realismo da vida eterna, se a verdade é o terreno legal do
Universo? Em nome de Jesus, recorrem à injúria e à condenação, mas se esquecem
de que o Mestre, além das lições da Manjedoura, do Templo, do Tabor, do
Getsemani e do Gólgota, deixou-nos também o ensinamento do Túmulo Vazio.
Que eles, os sacerdotes cristalizados nas afirmativas dogmáticas, prossigam em
seu ministério de condutores; colherão sempre o bem toda vez que atenderem ao
serviço da iluminação coletiva, em obediência aos deveres que lhes competem.
Quanto a nós, os desencarnados, continuaremos a campanha do Túmulo Vazio. Que
eles procurem, de fato, honrar a vida, porque nós, desprezando todos os
obstáculos, venceremos na gigantesca luta contra a morte!
Irmão X