Anotação Fraterna

Reservava-nos grande alegria o término de nossos labores espirituais na noite de 9 de agosto de 1956. É que fomos felicitados com a visita do Espírito F. Purita, denodado batalhador da nossa causa em Minas, onde construiu vasto círculo de amizades. Sensibilizando-nos imensamente, o abnegado companheiro deixou-nos a seguinte “anotação fraterna”, que consubstancia valioso estudo.

Nós, os espíritas desencarnados, via de regra estamos perante a Vida Superior como alunos envergonhados, que se despediram da escola com baixa média de aproveitamento, apesar da excelência do curso preparatório, colocado na Terra à nossa disposição.

Conhecemos, mais que os profitentes de outros credos, a paternidade de Deus, a orientação de Jesus e a bênção do Evangelho, com livre interpretação pessoal.

Permanecemos convencidos, quanto à lei de causa e efeito que estudamos de perto, nas consciências exoneradas do vaso físico; sabemos que a vida continua com todo o império do raciocínio e da emoção, além do túmulo; e somos aquinhoados por todo um tesouro de revelações do mundo suprafísico, capaz de transformar-nos, entre os homens, em verdadeiros apóstolos do bem.

Contudo, a morte – que é sempre o examinador exato da vida – encontra-nos em condição deficitária.

Proclamamo-nos detentores de uma doutrina com tríplice aspecto, totalizando a Ciência, a Filosofia e a Religião; no entanto, dela fazemos uma ciência discutidora, uma filosofia de dúvidas e uma religião de hábitos cristalizados.

Gritamos que “fora da caridade não há salvação”, mas a nossa caridade, comumente, é aquela do supérfluo ao necessitado, assim como a do viajante enfastiado em navio super-farto, que atira pão ao peixe faminto.

Asseveramos que Jesus é o nosso Divino Mestre e Supervisor de nossas atividades, todavia, entregamo-nos, bastas vezes, ao intercâmbio de fascinação, dominados pela fome doentia de reconforto individual, ouvindo oráculos subservientes e enganosos e desertando sistematicamente da luta que nos é necessária à renovação.

E em muitas ocasiões bradamos, ociosos e ingratos:

- Não quero reencarnar.

- Não tornarei à Terra.

Entretanto, descerrado o véu que nos encobre a realidade, encontramo-nos estupefatos diante do tempo que despendemos em vão, dos recursos terrestres que consumimos debalde, das maravilhas da vida a nos desafiarem o esforço e da situação desagradável da alma, nas esferas inferiores, nas quais somos compelidos a estágio longo, como resultante de nossa rebeldia e indiferença.

Não falamos aqui como quem repreende.

Somos ainda um simples companheiro que volta, necessitado de mais luz.

Isso, porém, não impede que a nossa palavra se converta em anotação fraterna, para compreendermos que a função essencial de nossos princípios é aquela da reconstrução do Espírito, para que se nos eleve a senda do destino.

Sem Espiritismo no campo íntimo, para que a nossa recuperação se faça tão completa quanto possível, na obra do Senhor, nossas convicções e predicações podem valer para os outros, que se inclinem a aproveitá-las, mas não para nós mesmos que nos situaremos voluntariamente distantes do trabalho a realizar.

É por esse motivo que a reencarnação quase que imediata, para todos nós, trânsfugas dos deveres maiores, é impositivo urgente e recomendável, de vez que, se ainda não nos liberamos do purgatório da afetividade mal conduzida e se ainda não abraçamos a lavoura do bem por amor ao bem, a volta ao educandário da carne é a maior concessão que a Divina Providência pode facultar-nos à sede de progresso.

Todos os companheiros, candidatos a mais ampla incursão no campo da verdade e do estudo, depois da morte física, devem aproveitar o tempo da encarnação como período valioso de aprendizado, adotando a disciplina como norma indispensável à construção que pretendem levar a efeito.

Em suma, os espíritas receberam, na atualidade da Terra, o quinhão máximo de talentos do Céu. E para que possam assimilar em definitivo a herança do Céu é necessário se disponham a viver no esforço máximo. Isso equivale a dizer cultura constante do cérebro e cultura infatigável do coração.


F.Purita