O Espírito que Faltava
Quando Dona Arlinda chegou ao grupo espiritista, desejosa de curar-se das
perturbações que a assediavam, foi atendida pelo orientador Dagoberto, dedicado
protetor espiritual dos necessitados.
– Quero sarar – dizia a iniciante – e servir à Doutrina. A mediunidade é um
ministério celestial. Se Deus me achar digna, aqui estarei para trabalhar com
afinco e devotamento.
Reparando-lhe as boas disposições, o diretor da casa facilitou-lhe o acesso aos
fluidos renovadores.
– Preciso de espíritos que me curem! – reclamava a obsidiada, lamuriando-se – e,
tão logo me refaça, seguirei a verdade e servi-la-ei até ao fim de meus dias...
O benfeitor deu-se pressa em angariar a colaboração de clínicos competentes da
espiritualidade, que a ajudassem na recuperação do equilíbrio.
Em breve, Dona Arlinda estava robustecida, feliz. Perdera as fobias
inquietantes. Estava curada, enfim.
Prosseguia freqüentando as pequenas assembléias doutrinárias, mas mudara a
conversa...
– Se Amaro, meu marido, obtivesse um emprego, sentir-me-ia mais disposta ao
trabalho mediúnico. Mas assim...
E terminava, suspirando:
– Se os espíritos caridosos nos amparassem...
Dagoberto interveio, solicitando a cooperação de alguns benfeitores que,
indiretamente, agindo sem alarde, através dos fios invisíveis da inspiração, lhe
situaram o esposo em serviço digno, convenientemente remunerado.
Dona Arlinda, agora, era menos pontual às sessões iluminativas; fazia-se,
contudo, portadora de novas alegações.
– Como contribuir na lavoura da mediunidade? Meus dois filhos, Fernando e
Rodolfo, cercam-me de preocupações infindáveis... Sabemos que as atividades
dessa natureza exigem paz... Com as angústias que trago na cabeça, a calma é
impossível. Se os espíritos me ajudassem a encaminhá-los...
Voltou o protetor a socorrê-la, trazendo-lhe à casa o decisivo concurso de
sábios educadores desencarnados que modificaram as tendências dos rapazes,
melhorando-lhes os impulsos e conduzindo-os a louváveis institutos de ensino.
Solucionado o problema, Dona Arlinda encontrou nova necessidade:
– Graças a Deus – afirmava –, tenho sido muito feliz em minhas súplicas. Mas,
como iniciar a colaboração nos círculos da mediunidade? Enquanto não nos
mudarmos de residência, qualquer tentativa seria improfícua. Imaginem que sou
diàriamente hostilizada pelos vizinhos. Necessito, antes de tudo, afastar-me do
ambiente. Enquanto isto não se der...
E rematava:
– Se os espíritos me auxiliassem a favor da mudança...
Dagoberto, prestativo, correu a cooperar. Não dispunha de corretores no “outro
mundo”, mas conhecia amigos que sabiam amparar sem prejuízo de ninguém.
Em poucas semanas, a senhora permutava o domicílio acanhado por residência
arejada e espaçosa.
Beneficiada de tantos modos diferentes, teve dificuldade de alinhar pretextos de
ordem material e falou, supostamente preocupada, aos companheiros do grupo:
- Estou pronta para a tarefa mediúnica...
Entretanto, como encetá-la? Aguardo a influência dos irmãos invisíveis, em nossa
mesa de orações, tempo enorme!... Qual nada! Não registro a menor vibração
diferente, em torno de mim! estou mesmo sem rumo...
E concluía, reticenciosa:
– Se os espíritos me desenvolvessem...
O benfeitor de sempre movimentou as possibilidades imediatas e trouxe
companheiros esclarecidos que passaram a colaborar no esforço de iniciação da
candidata.
Dona Arlinda foi crivada de apelos e advertências. Os amigos do Além falaram-lhe
da caridade, da educação, do serviço ao próximo. Conduziram doentes ao seu
coração, proporcionando-lhe valiosas oportunidades de praticar a ciência de
elevação. Necessitados sem número, tangidos por forcas imponderáveis,
sitiaram-lhe a porta.
Era convidada às manifestações do bem, através de todos os clarins da vida
espiritual.
A futura missionária, porém, negou-se redondamente. Queria o ministério
mediúnico, mas não suportava a visão de doenças, experimentava receios
indefiníveis ante as pessoas perturbadas, não dissimulava o desequilíbrio
nervoso que a acabrunhava, em qualquer ação de socorro às entidades sofredoras.
Temia complicações, não desejava ser julgada pela opinião pública.
Reproduzia queixas e fugas, duas vezes por semana, ante os colegas espantados,
quando Dagoberto, o prestimoso amigo espiritual, certa noite se comunicou no
grupo, satisfeito e bem humorado, como de costume. Finda a preleção, na qual
distribuiu precioso encorajamento, Dona Arlinda interpelou-o, suplicando :
– Meu protetor, ajude-me! Preciso progredir!
Poderei contar com a sua ajuda para meu desenvolvimento?
O interpelado respondeu, enigmático:
– Sim?... A mediunidade, antes de ser um fenômeno, é trabalho dos
semelhantes!...
Dona Arlinda pretendia promessas mais claras e aduziu :
– Os protetores me auxiliarão?
Dagoberto sorriu e ajustou:
– Eu, agora, minha irmã, só conheço um espírito que pode socorrê-la. Um, apenas.
Sem ele, sua felicidade nunca virá,.
– Oh! qual? – interrogou a senhora, dominada pela volúpia de implorar proteção
diferente – farei preces, incluí-lo-ei em minhas súplicas diárias!...
Com surpresa geral, Dagoberto informou :
– É o espírito da boa vontade. Para encontrá-lo, não precisa dirigir-se ao
“outro mundo”. Ele está no seu mundo mesmo.
Pesado silêncio caiu sobre todos e a sessão foi encerrada, sem outras consultas.
Irmão X