Questão de Provas
Em recente campanha de propaganda do Espiritismo, abriu-se estranha fervura
no arraial materialista, que se julgou na obrigação de defender as muralhas da
sombra e da morte.
Porque homens dignos e respeitáveis se colocavam ao lado dos humildes,
convertendo-se em advogados da razão e da lógica, os pequenos vândalos do
ateísmo surgiram a campo, improvisando conceituação apressada, a favor do
negativismo renitente.
Na vida das abelhas laboriosas verificam-se acontecimentos semelhantes. De
quando em quando, a colméia sofre a ameaça de invasores cruéis que se
caracterizam pela inutilidade e pelo vampirismo. Se as sentinelas não funcionam
e se não há bastante estoque de cera para isolar os detritos na região do
esquecimento, é provável que se perca, irremediavelmente, a colheita do mel.
Felizmente, porém, as operárias trabalham afanosamente, tocadas de amor e
fidelidade ao dever, e os insetos perturbadores passam como a nuvem de
gafanhotos, abandonando a colméia libertada.
As instituições espiritistas dos tempos modernos, à maneira das igrejas
apostólicas primitivas, sofrem o assédio da incompreensão sistemática, através
das acusações gratuitas de toda sorte. E os espiritualistas de hoje, como
sucedia aos seguidores de Jesus, no passado, segundo os que rezam na cartilha do
convencionalismo, são responsáveis por todos os males. Todavia, o que mais
espantou na referida campanha, foi a multiplicidade dos convites estranhos,
endereçados por homens inteligentes às almas dos “mortos”!
Porque alguns poetas e escritores desencarnados, de Portugal e do Brasil, se
lembraram dos amigos, escrevendo-lhes algumas páginas de gratidão e saudade,
alguns vivos da Terra, habituados ao jogo dos raciocínios palavrosos, reagiram
fervorosamente, lançando reptos aos Espíritos do “outro mundo”, como os
cavalheiros medievais, que atrevidamente lançavam a luva em desafio. Os
desencarnados, porém, ouviram e sorriram, impassíveis, porque, de fato, não se
sentiam na posição de contadores. Não haviam surrupiado dinheiro nem
desrespeitado as leis vigentes; não escreveram palavras torpes, nem roubaram
segredos dos grandes magnatas da indústria; não trouxeram invenções
destruidoras, nem instituíram ódios políticos e raciais. Em suma, não chegaram
nem mesmo a pedir aos amigos que acreditassem em suas palavras sinceras e
fraternais.
Mas os defensores da negação sistemática se aliaram, de modo surpreendente, aos
devotos do “deixa estar como está” dos credos sectaristas, e houve a explosão
das cóleras sagradas.
Nem a ira de Júpiter, no Olimpo, entre os deuses, seria tão desvairada, porque
Júpiter se enfurecia numa época em que o mundo não ia além da floresta e do mar.
Os companheiros materialistas, porém, enraiveceram-se contra nós, quando já a
medicina mobiliza os mais eficientes recursos contra as moléstias do fígado, e
quando sábios eminentes se congregam para solucionar transcendentes questões do
sofrimento humano. Como não lhes era possível destruir o trabalho realizado
pelos semeadores do bem, no silêncio do anonimato construtivo, endereçaram
estranhos apelos aos espíritos desencarnados para que lhes trouxessem as provas
da sobrevivência. Não queriam respirar a veneração devida a um templo:
reclamavam o picadeiro. No entanto, agora, quando a economia dirigida costuma
queimar trigo e os parques de diversões aperfeiçoam os entretenimentos, é
impossível repetir a exigência de “pão e circo”, dos alegres e despreocupados
romanos do tempo de Juvenal...
Houve quem pedisse o regresso de Schubert para que o grande compositor
terminasse a sua Sinfonia Inacabada. Reclamavam outros a presença do casal Curie
para demonstrações radiológicas, acrescidas dos conhecimentos adquiridos além do
sepulcro. Apareceram pessoas chamando Leonardo da Vinci para que lhes pintasse a
fé no centro do crânio, e um escritor respeitável, de alma nobre e coração
generoso, apareceu inexplicavelmente na arena, propondo-se apresentar complicado
problema de matemática às almas do “outro mundo”. Hiparco e Ptolomeu
regressariam reverentes, atendendo a questões de trigonometria, e Diofanto, o
matemático grego, viria, pressuroso, solucionar novos enigmas algébricos,
assombrando os seus semelhantes do século XX. Enquanto isso, os médiuns seriam
promovidos, automàticamente, a enciclopédia humana.
Nenhuma realização nesse particular, entretanto, resolveria o problema da fé
viva. Muitos Espíritos desencarnados já vieram e satisfizeram a estranhos
caprichos dos investigadores exigentes, mas restou sempre lugar para a
desconfiança destrutiva. Invoca-se a telepatia, nas mais diversas ocasiões, para
justificar todos os fatos, e se a telepatia não chega, surgem teorias apressadas
que deixam os materialistas “como dantes, no quartel de Abrantes”.
Há mais de meio século, esforçam-se os Espíritos dos “mortos” para iluminar o
caminho dos vivos, referentemente às certezas consoladoras da vida imperecível.
A crença, porém, como o fruto, tem a sua época de amadurecimento necessário. Os
homens de bom senso, que morrem antes dos outros, compreendem a extensão das
fraquezas que caracterizam os seus irmãos de Humanidade. Sabem que não se pode
pedir determinados testemunhos ou certas equações intelectuais aos menores de
espírito, que constituem vastíssimas fileiras no campo evolutivo. Conhecem,
igualmente, os gigantes da inteligência, que afrontam as verdades eternas com o
estilete do sarcasmo, sem desconhecerem as responsabilidades que assumem,
vacilantes embora, entre as considerações exteriores e as imposições da
consciência. Os desencarnados esclarecidos, porém, não podem hesitar diante do
quadro divino das realidades eternas e continuam preferindo o silêncio com o
trabalho edificante na elevação geral. Não podem, em obediência a princípios de
ordem divina que lhes regem as atividades e relações, voltar à camaradagem
inferior, comentando vulgaridades e pilhérias de mau gosto, satisfazendo ao
caprichoso critério dos antigos companheiros atolados nas velhas fantasias. Não
dispõem de tempo para solucionar quebra-cabeças, em atenção a exigências
descabidas, sem nenhum valor essencial na aquisição da fé. Mas... quem sabe?
talvez possam ser úteis, mais tarde, aos seus amigos, em horas de extremo
interesse do espírito, na solução de problemas de importância fundamental para
eles, no campo infinito da vida eterna.
Irmão X