A Fé Vitoriosa
Destacava André certas dificuldades na expansão dos novos princípios
redentores de que o Mestre se fazia emissário e se referia aos fariseus com
amargura violenta, concitando os companheiros à resistência organizada.
Jesus, porém, que ouvia com imperturbável tolerância a argumentação veemente,
asseverou tão logo se estabeleceu o silêncio:
— Nenhuma escola religiosa triunfará com o Pai, ausentando-se do amor que nos
cabe cultivar uns para com os outros.
E talvez porque se manifestasse justificada expectativa em torno dos apólogos
que a sua divina palavra sabia tecer, contou, muito calmo:
— Na época da fé selvagem, três homens primitivos com as suas famílias se
localizaram em vasta floresta e, findo algum tempo de convívio fraternal,
passaram a discutir sobre a natureza do Criador.
Um deles pretendia que o Todo-Poderoso vivia no trovão, outro acreditava que o
Pai residisse no vento e o terceiro, que Ele morasse no Sol.
Todos se sentiam filhos dEle, mas queriam à viva força a preponderância
individual nos pontos de vista.
Depois de ásperas altercações, guerrearam abertamente.
Um dos três se munira de pesada carga de minério, outro reuniu grande acervo de
pedras e o último se ocultara por trás de compacto monte de madeira.
Achas de lenha e rudes calhaus eram as armas do grande conflito.
Invocavam todos a proteção do Supremo Senhor para os seus núcleos familiares e
empenhavam-se em luta.
E tamanhas foram as perturbações que espalharam na floresta, prejudicando as
árvores e os animais que lhes sofreram a flagelação, que o Todo-Compassivo lhes
enviou um anjo amigo.
O mensageiro visitou-lhes o reduto, na forma de um homem vulgar, e, longe de
retirar-lhes os instrumentos com que destruíam a vida, afirmou que os
patrimônios de que dispunham eram todos preciosos entre si, elucidando-os
tão-somente de que necessitavam imprimir nova direção às atividades em curso.
Explicou-lhes que os três estavam certos na crença que alimentavam, porque Deus
reside no Sol que sustenta as criaturas, no vento que auxilia a Natureza e no
trovão que renova a atmosfera.
E, com muita paciência, esclareceu a todos que o Criador só pode ser honrado
pelos homens, através do trabalho digno e proveitoso, ensinando o primeiro a
transformar os duros fragmentos de minério em utensílios para o trato da terra,
nas ocasiões de sementeira; ao segundo, a converter as achas de lenha em peças
valiosas ao bem-estar, e, ao terceiro, a utilizar as pedras comuns na edificação
de abrigos confortáveis, acrescentando, em tudo, a boa doutrina do serviço pelo
progresso e aperfeiçoamento geral.
Os contendores compreenderam, então, a grandeza da fé vitoriosa pela ação
edificante, e a discórdia terminou para sempre...
O Mestre fez pequena pausa e aduziu:
— Em matéria religiosa, cada crente possui razões respeitáveis e detém preciosas
possibilidades que devem ser aproveitadas no engrandecimento da vida e do tempo,
glorificando o Pai.
Quando a criatura, porém, guarda a bênção do Céu e nada realiza de bom, em favor
dos semelhantes e a benefício de si mesma, assemelha-se ao avarento que se
precipita no inferno da sede e da fome, no intuito de esconder, indebitamente, a
riqueza que Deus lhe emprestou.
Por isto mesmo, a fé que não ajuda, não instrui e nem consola, não passa de
escura vaidade do coração.
Pesado silêncio desceu sobre todos e André baixou os olhos tímidos, para melhor
fixar a mensagem de luz.
Neio Lúcio