Lola-Leila
I
Sempre Lola Mendez.
Borboleta humana expressando mulher.Perfumaria e seda farfalhante.
Bailarina admirável. Estonteante beleza.
Transportava a graça nos pés. Ao fim de cada espetáculo, era o centro das atenções. Ceias lautas. Esvaziam-se garrafas e bolsas.
Dentre todos os admiradores, porém, salientavam-se dois que, por ela, arruinariam a própria vida: Dom Gastão Álvares de Toledo, que abandonara esposa e filhos para fazer-lhe a corte, e Dom Jairo Carízio, que assassinara o próprio pai, às ocultas, para ofertar-lhe mais ouro.
Lola, entretanto, queria mais.
Soberana da ribalta envolvia-os em sorrisos maliciosos.
Explorou-lhes o coração, até que se vissem, revoltados, um à frente do outro, em duelo fatal.
Dom Jairo, mais forte, eliminou o rival, com estocada irresistível; no entanto, obsidiado pela vítima, desceu, a breve tempo, para a caverna da loucura, onde encontrou a morte.
Lola Mendez dançou e bebeu por muito tempo ainda...
Um dia, o espelho contou-lhe a história da velhice.
Rosto enrugado. Cabeça branca. Passo lento.
Amedrontada, aprendeu a encontrar o socorro da prece.
E quando o túmulo lhe acomodou os restos no esquife estreito, veio, a saber, que Dom Gastão não morrera, que Dom Jairo padecia as conseqüências dos próprios crimes, e que ela própria vivia.
Chorou. Desespero-se.
Peregrina do sofrimento errou longo tempo nas trevas.
Um dia, mãos piedosas traçaram-lhe nova senda.
Renasceria no mundo. Seria pobre, muito pobre. Esconderia em lar humilde a passada grandeza.
E, ao lado de homem simples, receberia Dom Gastão e Dom Jairo como filhos, para reeduca-los.
Ela que os havia moralmente aniquilado, na posição de mulher inconstante, reabilitá-los-ia com devotamento de mãe.
II
Lola renasceu.
Chamava-se agora Leila.
Menina apagada. Recomeço laborioso. Trabalho árduo.
Antes dos vinte, desposou Luis Fernandes, metalúrgico modesto.
Segundo o plano estabelecido, os antigos rivais lhe encontraram a rota.
Ressurgiram do seu sangue. Seriam irmãos gêmeos, desfazendo toda a discórdia.
A antiga devedora, contudo, novamente em plenitude juvenil, aspirava a gozar... Queria jóias, prazeres, descanso, luxo...
E, fugindo aos compromissos, praticou o aborto criminoso por quatro vezes, expulsando-os do corpo e do pensamento, como se fossem agentes da peste.
Dom Gastão e Dom Jairo, reunidos agora no mesmo instinto de esperança, rogaram-lhe compaixão. Buscavam-na em sonho. Argumentavam. Queriam viver.
A antiga bailarina, porém, recalcitrava...
Banidos violentamente pela quinta vez, ambos tramaram vindita, enceguecidos de ódio.
E quando Lola, agora Leila, se divertia, a distância do esposo, influenciaram-na, totalmente.
Ela se põe a beber bebidas alcoólicas.
Noite alta, a moça leviana toma o carro de um amigo, que se propõe conduzi-la de volta.
O velocímetro acusa quarenta, sessenta e, depois, noventa quilômetros por hora.
Dom Gastão e Dom Jairo, excitados, pressionam a mente da amiga, que, com o terror estampado nos olhos, se diz dominada por fantasmas.
Acreditando-a sob o domínio exclusivo da embriaguez, o acompanhante da noite alegre procura contê-la, sem largar o volante.
Atritam-se. E antes que o freio funcionasse, abre-se a porta, e Leila, ontem Lola, cai no asfalto, partindo o crânio.
O carro dispara, na madrugada cinzenta.
E de tudo o que ficou, entre os homens, nas anotações da manhã seguinte, foi o número da ambulância que recolheu na rua o corpo de uma mulher morta...
Do outro lado da vida, porém, Leila era violentamente agarrada por dois ferozes algozes...
Hilário Silva