No Passeio Matinal
Dionísio, o moleiro, muito cedo partiu em companhia do filhinho, na direção
de grande milharal.
A manhã se fizera linda.
Os montes próximos pareciam vestidos em gaze esvoaçante.
As folhas da erva, guardando, ainda, o orvalho noturno, assemelhavam-se a
caprichoso tecido verde, enfeitado de pérolas. Flores vermelhas, aqui e ali,
davam a idéia de jóias espalhadas no chão.
As árvores, muito grandes, à beira da estrada, despertavam, de leve, à passagem
do vento.
O Sol aparecia, brilhante, revestindo a paisagem numa coroa resplandecente.
Reinaldo, o pequeno guiado pela mão paterna, seguia num deslumbramento. Não
sabia o que mais admirar: se o lençol de neblina muito alva, se o horizonte
inflamado de luz. Em dado momento, perguntou, feliz:
— Papai, de quem é todo este mundo?
— Tudo pertence ao Criador, meu filho —esclareceu o moleiro, satisfeito —; o
Sol, o ar, as águas, as árvores e as flores, tudo, tudo, é obra dEle, nosso Pai
e Senhor.
— Para que tudo isto? — continuou o petiz contente.
— A fim de recebermos esta escola divina, que é a Terra.
— Escola?
— Sim, filho — tornou o genitor paciente —, aqui devemos aprender, no trabalho,
a amar-nos uns aos outros, aprimorando sentimentos, quanto devemos aperfeiçoar o
solo que pisamos, transformando colinas, planícies e pedras em cidades,
fazendas, estábulos, pomares, milharais e jardins.
Reinaldo não entendeu, de pronto, o que significava “aprimorar sentimentos”;
contudo, sabia perfeitamente o que vinha a ser a remoção dum monte empedrado.
Surpreso, voltou a indagar:
— Então, papai, somos obrigados a trabalhar tanto assim? Como será possível
modificar este mundo tão grande?
O moleiro pensou alguns instantes e observou:
— Meu filho, já ouvi dizer que uma andorinha vagueava só, quando notou que um
incêndio lavrava em seu campo predileto, O fogo consumia plantas e ninhos. Em
vão, gritou por socorro. Reconhecendo que ninguém lhe escutava as súplicas,
pôs-se rápida para o córrego não distante, mergulhando as pequenas asas na água
fria e límpida; daí, voltava para a zona incendiada, sacudindo as asas molhadas
sobre as chamas devoradoras, procurando apagá-las. Repetia a operação, já por
muitas vezes, quando se aproximou um gavião preguiçoso, indagando-lhe com
ironia: — “Você, em verdade, acredita combater um incêndio tão grande com
algumas gotas dágua?“ A avezinha prestativa, porém, respondeu, calma: — "É
provável que eu não possa fazer a obra toda; entretanto, sou imensamente feliz
cumprindo o meu dever".
O moleiro fêz uma pausa e interrogou o filho:
— Não acredita você que podemos imitar semelhante exemplo? Se todos
procedêssemos como a andorinha operosa e vigilante, em pouco tempo toda a Terra
estaria transformada num paraíso.
O menino calou-se, entendendo a extensão do ensinamento e, no íntimo,
contemplando a beleza do quadro matinal, desde as margens do caminho até a
montanha distante, prometeu a si mesmo que procuraria cumprir no mundo todas as
obrigações que lhe coubessem na obra sublime do Infinito Bem.
Neio Lúcio