No Estudo da Fé
De quando em quando, surgem movimentos de opinião, reclamando demonstrações mediúnicas em público, definitivas e surpreendentes.
As almas dos mortos deveriam comparecer, segundo a expectativa de muita gente, perante assembléias compactas, oferecendo palpites a ociosos ou personificando os mágicos de todos os tempos. Quando não pudessem fazer escamoteações ou provocar gargalhadas na assistência, seriam obrigadas a representar novos dramas no reencontro com os familiares, em situações patéticas e dolorosas, arrancando lágrimas aos crocodilos da indiferença.
E, apressados, são muitos os curiosos que exigem o espetáculo. Alguns, mais palavrosos, recordam Tomé, o discípulo investigador, e explanam a necessidade de negar sistematicamente; todavia, para o grande número dos que se julgam com o direito de aparecer como apóstolos inquiridores, não há um só desencarnado, consciente das obrigações próprias, com bastante audácia para tentar a personificação de Jesus-Cristo, em cópia grotesca e injustificável.
Os pobres amigos da inquietarão destrutiva dizem-se procuradores da fé. Exigem-na, exasperados. Desejam acreditar na vitória da vida sobre a morte, querem certificar-se da sobrevivência, mas não encontram as provas que solicitam. Na azáfama das reclamações descabidas, acusam pessoas honestas e respeitáveis. Os médiuns, no conceito deles, não passam de embusteiros e os cooperadores da causa das verdades espiritualistas são simplesmente papalvos que engoliram o “conto”. Habituados ao culto externo das religiões amigas da letra, que não lhes pedem senão algumas esmolas aos sábados e algumas orações labiais aos domingos, acreditam que bastaria um grande espetáculo com espíritos materializados, a fim de se sentirem senhores absolutos da Revelação Divina. E por isso, quando encontram ensejo de alguma experiência isolada, em que a oportunidade da aquisição de fé lhes banha o coração como fonte cristalina, agarram-se à superfície dos acontecimentos e das coisas, apaixonadamente. Cercam-se de balanças e termômetros, de trenas e aparelhos elétricos, observando o médium, como se fora um pequeno deus, de cuja boca, transformada em cornucópia de maravilhas, aguardam supremas revelações da verdade. Os médiuns, porém, não obstante a delicadeza e complexidade da tarefa que receberam, são instrumentos humanos e relativos de uma verdade igualmente relativa, porque a morte do corpo não é a derradeira conquista de sabedoria.
Desiludidos na expectativa injusta, os pioneiros da investigação retiram-se desalentados e confundidos por si mesmos. Para eles, nessas circunstâncias, os sensitivos não satisfazem e os homens de fé são pessoas fanatizadas e imbecis.
Entretanto, essas velhas diretrizes dos estudantes irrequietos não passam de observação incompleta, originária de antigas e ridículas cristalizações da insensatez.
Como resolver problemas espirituais sem atitudes espirituais? Como exigir dos outros a solução de enigmas que nos dizem respeito? Poderia um médium construir no coração alheio o edifício da fé viva, se ele mesmo é um trabalhador que necessita atender às questões que lhe são próprias? Experiências mediúnicas, fatores recebidos da esfera superior, podem apenas fornecer convicções, como essa ou aquela escola científica proporciona convicções aos aprendizes, nesse ou naquele campo de atividades práticas.
A fé, a paz, o ideal, a confiança, a libertação, a sabedoria, constituem obras individuais de cada um. Ninguém possuirá a felicidade, se não construí-la dentro de si mesmo.
Naturalmente que em nossas palavras despretensiosas e humildes não vai qualquer crítica destrutiva à metapsiquica moderna.
Nos mercados, haverá sempre, em obediência a imperativos naturais que governam a existência humana, quem pese, examine e selecione os produtos alimentícios, tendo em vista a higiene e a saúde pública, mas é preciso convir que se os funcionários de contabilidade e inspeção não se aproveitarem dos artigos que observam, na alimentação própria, morrerão provàvelmente de fome.
Assim também, nos assuntos da crença. No seu campo de ação, é indispensável estabelecer o serviço de análise e ponderação, porque é da lei que o joio se desenvolva ao lado do trigo, até que venha a ceifa. Entretanto, consultar a fenomenologia, examinar a superfície dos fatos, verificar a existência do inabitual, conhecer a grandeza do ensino e menosprezá-lo com a indiferença, não constituem a solução legítima do problema da alma.
No estudo da fé, portanto, não bastará organizar demonstrações públicas de mediunidade, nem abrir espetáculos à curiosidade indiscreta dos negadores sistemáticos.
Quem se proponha à realizarão íntima para o bem, deve, antes de tudo, melhorar-se. Procure-se com alma e coração as verdades de Deus e as verdades de Deus responderão.
Os romanos que conquistaram a Bretanha, ao descerem das galeras, queimaram-nas na praia, assinalando a coragem com que enfrentariam, sozinhos, os perigos da terra desconhecida.
Quem não destruir as naus do preconceito, da opinião pretensamente infalível e da crítica precipitada, ante o novo continente de sabedoria que o Espiritismo descortina ao homem, a fim de lutar, com os recursos próprios, pela aquisição de valores eternos, sem comunicação com o plano inferior de que procede, dificilmente poderá alcançar a sublime vitória da conquista de si mesa.
Irmão X