Ave, Allan Kardec

Nos programas de Deus, nos projetos da Vida, são poucas as vezes em que o cérebro humano consegue penetrar, com o necessário aprofundamento.

A Terra jazia sob névoa escura, no açodar de forças desconexas. Mutilados os sentimentos; acirrados os temperamentos rebeldes; ensombrada a Ciência, em face de absurdo materialismo; niilismo na Filosofia e treda vaidade nas academias, quanto nos salões culturais...

A cegueira da fé que se debatia por entre paredes frias, sob as naves vazias dos templos mortiços. Apregoava-se o nome do Senhor, mantendo-O, todavia, à distância das práticas religiosas...

Em meio a essa hecatombe, nos arraiais da cultura francesa, o racionalismo penetrava de modo insopitável.

Bonaparte, o Corso, que fizera-se imperador, belicoso, vociferando loucuras, após abaladas as bases dos seus compromissos mais nobilitantes para com a existência, armava-se contra a Igreja, liderada por Pio VII...

Eram dias atrozes, em que não parecia haver solução para os enigmas do pensamento, para o questionamento da fé ou para as conclusões filosóficas que, amadurecidas, conduzissem a mentalidade humana para as reflexões acuradas...

O povo continuava relegado e a miséria grassava, desafiadora, enquanto os intelectuais vaidosos se debatiam entre discussões intérminas, que a lugar nenhum logravam conduzir.

É nesse momento que os corações sofredores do orbe lançam aos Espaços Infinitos a sua litania que atinge os Ouvidos Divinos. Nesse período histórico, os ais da Humanidade rompem as distâncias mentais para comoverem os Céus.

A programática celeste, desde muito, preparava o instante ideal, para o advento da Luz.

Abrindo-se os Céus, lançam-se as Coortes dos Espíritos Nobres, em alamedas de estrelas, espargindo lucidez nos ensinos de escol.

Enviam batedores, achanadores, preparadores. As notícias chegam a todos, como rastilho incendiado. A vila de Mr. Hyde explode fenomênica e torna-se berço da Nova Era. As mesas contam, cantam, movimentam-se, deixando estupefatos os observadores, quanto embalam os frívolos de todos os tempos...

A América treme, a Europa se agita...

Atuam, diligentes, as Hostes do Consolador. Do gabinete excelente, entre estudos profundos, vão buscar a personalidade gigantesca, protagonista da epopéia futura... A Falange da Verdade prepara-se para admoestar a vacuidade e estabelecer um império novo, agora sobre as consciências, dinamizando o amor e burilando a cultura; dando razão à fé e iluminando o conhecimento.

Inaugurando novo período para o pensamento humano, com a força do ideal e o apoio de insuperável grandeza, surge como um Astro, pintando de luz a escuridade da noite terrena, a figura apostolar de Léon Rivail.

Não mais se discutem as afirmativas revoltosas de Chaumette, tentando substituir, pela Razão convertida em nova divindade ateísta, que ele fazia representada por jovem figura do meretrício parisiense, a força ideológica dos representantes da Notre Dame.

Já não se levantam questões em redor de Danton, de Marat, de Robespierre, nos seus ideais revolucionários.

Bruxuleavam as chamas inquisidoras, nos seus últimos estertores. A letra morta, que Lutero tivera a coragem de retirar da escuridão da cripta para a claridade do dia, já não alimentava, devidamente, as almas carecentes, tornando-se necessário ajuntar o espírito vivificante que motiva à vida.

Agora é uma nova luta que se trava na Terra.

Os Imortais lançam-se das imensidões e aportam o orbe. O Missionário escolhido identifica-se com a Missão. Concebe sua pujança e olvida os próprios interesses, adotando o criptônimo que lhe correspondia ao antigo nome, quando cantara a fraternidade, sob carvalhos seculares, nas florestas gaulesas, na condição de grave sacerdote, Allan Kardec.

Impondo-se portentoso trabalho, Kardec organiza os ditos dos Espíritos do Senhor. A Codificação do Espiritismo fulgura para o mundo.

Não mais deuses de pedra insinuando-se como verdadeiros, para as consciências atreladas à ignorância...

O Senhor dos Mundos, expulso, antes, do território francês, retorna, convertido na Inteligência Suprema, causadora de tudo quanto existe, nas Vozes gloriosas dos Céus...

Nunca mais os numes belicosos, nem o senhor dos exércitos, caprichoso, destruindo os seus adversários, para consumi-los, aterradoramente...

Com Kardec, na formidável Codificação, os filhos de Deus são imortais por essência. Indestrutíveis, deverão retornar ao plano das lutas, sempre que necessário, até coroarem-se com a fulguração evolutiva.

Em passos lentos, se vai despegando a criatura do pavor e das superstições, elucidada quanto à realidade do Espírito, galgando os roteiros da fé refletida, raciocinada, de modo a poder vivê-la, senti-la, sofrê-la, se preciso.

Jesus Cristo volve aos caminhos das ovelhas perdidas da Casa de Israel. Convoca os Espíritos corajosos a seguirem-No. Deixa que falem ao mundo, aqueles que se supunham mortos ou eram tidos como tais. A mediunidade é ponte levadiça, unindo a Terra aos Estuários Divinos, atendendo aos sofredores em quaisquer condições e coletando as messes luminosas do Mais Alto.

A interpretação das lições do Nazareno faz-se clara. O entendimento das verdades do Evangelho, com o Espiritismo, é palpável.

A mensagem consola e orienta, propõe que se amem as criaturas e que, ao mesmo tempo, desenvolvam-se, instruam-se. E a vida se faz lógica, compreensível.

Com Allan Kardec, a Doutrina Espírita avança. Ao decaído, estende a mão que socorre e o arrimo que o apruma, em nome da caridade. Aos que estão de pé, fala-lhes de sua missão no mundo, sem que se percam na inutilidade vaidosa ou nos labirintos da impiedade. A ninguém promete salvação, embora faculte paz pelos compromissos devidamente atendidos. Ninguém vai ameaçado com os terrores infernais, entretanto, todos tomam posse das noções de responsabilidade à frente dos próprios atos.

E, quando o Bandeirante da Verdade tomba, rompendo as cadeias que o detinham no chão terrestre, prossegue além, vencidas as pelejas humanas, atendendo aos serviços de Jesus, cuidando das almas sofridas e em processo de brunimento, que ainda se acham vinculadas aos processos planetários.

Legítimo Benfeitor da Humanidade, na vibração que a tua memória enseja, dizemos:

- Ave, Allan Kardec! Teus discípulos novos e singelos, saudamos-te, nos umbrais da Era Nova, que impulsionaste com tua luta.


Camilo