O Valor do Serviço
Filipe, velho pescador de Cafamaum, enlevado com as explanações de Jesus
sobre um texto de Isaías, passou a comentar a diferença entre os justos e
injustos, de maneira a destacar o valor da santidade na Terra.
O Mestre ouviu calmamente, e, talvez para prevenir os excessos de opinião,
narrou, com bondade:
- Certo fariseu, de vida irrepreensível, atingiu posição de imenso respeito
público. Passava dias inteiros no Templo, entre orações e jejuns incessantes.
Conhecia a Lei como ninguém. Desde Moisés aos últimos Profetas, decorara os mais
importantes textos da Revelação. Se passava nas ruas, era tão grande a estima de
que se fizera credor, que as próprias crianças se curvavam, reverentes.
Consagrara-se ao Santo dos Santos e fazia vida perfeita entre os pecadores da
época. Alimentava-se frugalmente, vestia túnica sem mancha e abstinha-se de
falar com toda pessoa considerada impura.
Acontece, todavia, que, havendo grande peste em cidade próxima de Jerusalém, um
Anjo do Senhor desceu, prestimoso, a socorrer necessitados e doentes, em nome da
Divina Providência.
Necessitava, porém, das mãos diligentes de um homem, através das quais pudesse
trabalhar, apressado, em benefício de enfermos e sofredores.
Lembrou-se de recorrer ao santo fariseu, conhecido na Corte Celeste por seus
reiterados votos de perfeição espiritual, mas o devoto se achava tão
profundamente mergulhando em suas contemplações de pureza que não lhe sobrava o
mínimo espaço interior para entender qualquer pensamento de socorro às vítimas
da epidemia.
Como cooperar com o emissário divino, nesse setor, se evitava o menor contato
com o mundo vulgar, classificado, em sua mente, como vale da imundície?
O Anjo insistia no chamamento; contudo, a peste era exigente e não admitia
delongas.
O mensageiro afastou-se e recorreu a outras pessoas amantes da Lei. Nenhuma,
entretanto, se julgava habilitada a contribuir.
Ninguém desejava se arriscar.
Instado pelas reclamações do serviço, o Enviado de Cima encontrou antigo
criminoso que mantinha o propósito de regenerar-se. Através dos fios invisíveis
do pensamento, convidou-o a segui-lo; e o velho ladrão, sinceramente
transformado, não hesitou. Obedeceu ao doce constrangimento e voltou-se sem
demora, com a espontaneidade da cooperação robusto e legítima, ao ministério do
socorro e da salvação.
Enterrou cadáveres insepultos, improvisou remédios adequados à situação, semeou
o bom ânimo, aliviou os aflitos, renovou a coragem dos enfermos, libertou
inúmeras criancinhas ameaçadas pelo mal, criou serviços de consolação e
esperança e, com isso, conquistou sólidas amizades no Céu, adiantando-se de
surpreendente maneira, no caminho do Paraíso.
Os presentes registraram a pequena história, entre a admiração e o
desapontamento e, porque ninguém interferisse, o Senhor comentou, em seguida a
longo intervalo:
- A virtude é sempre grande e venerável, mas não há de cristalizar-se à maneira
de jóia rara sem proveito. Se o amor cobre a multidão dos pecados, o serviço
santificante que nele se inspira pode dar aos pecadores convertidos ao bem a
companhia dos anjos, antes que os justos ociosos possam desfrutar o celeste
convívio.
E observando que os ouvintes se retraiam no grande silêncio, o Senhor encerrou o
culto doméstico da Boa Nova, a fim de que o repouso trouxesse aos companheiros
multiplicadas bênçãos de paz e meditação, sob o firmamento pontilhado de luz.
Neio Lúcio