Julgamentos
Amigo, você nos solicita algumas notas, mesmo ligeiras, sobre os julgamentos precipitados e trago à memória um fato simples, no entanto, capaz de acordar para a sensatez, com relação à análise de atitudes alheias.
Acompanhei, certa feita, dois amigos que deliberaram participar de um leilão beneficente.
Em praça enorme, adensava-se pequena multidão, interessada na aquisição fácil de prendas, muitas delas valiosas, que se expunham numa espécie de coreto, no qual o leiloeiro anunciava a peça e o preço provável que essa mesma peça atingiria na oferta de quem desejasse adquiri-la.
Os dois amigos, aos quais me referi, tentavam colher o melhor do extenso material, ali depositado pela generosidade popular, quando notaram que certa senhora oferecia sempre um preço muito alto e obtinha os brindes que brilhavam ante a curiosidade dos circunstantes.
Bastava que o leiloeiro apresentasse o elemento a ser disputado, para que a dama, evidentemente muito pobre, ofertasse uma importância difícil de ser superada por algum dos presentes, recebendo os objetos arrematados, ao lado de um rapazinho que a seguia de perto. Considerando que ela já havia gasto verdadeira fortuna, em pleno leilão, os amigos aos quais me reporto passaram ao diálogo em torno do que viam:
- Não entendo que uma senhora vestida de trapos, possa apresentar parcelas de um capital assim tão valioso – comentou um deles.
Atalhou o outro:
- Penso que se trata de uma vigarista. Naturalmente se traja mostrando penúria, a fim de aproveitar o empreendimento que se realiza, de modo a transformar-se no socorro a mendigos em necessidade e desvalimento.
- Sem dúvida, estamos à frente de mulher estranha, tão pobremente trajada e esnobando finança gorda.
Os dois, então, resolveram interpelá-la.
Um deles, principiou, afirmando-lhe matreiro:
- A senhora nos surpreende, conquistando os seus brindes a preço tão elevado. Acaso, trabalha para alguma casa de quinquilharias?
Ela replicou, humilde:
- Esse leilão de hoje se verifica uma só vez por ano e guardo todos os recursos que me sobram das despesas pessoais, de maneira a incentivar esta obra que se destina a socorrer aleijados e velhinhos doentes, mães sofredoras e acidentados sem ninguém que os ampare. Penso neles e faço o possível para prestigiar a festa de que os necessitados recebem preciosas migalhas...
O amigo prosseguiu, indagando:
- Mas a senhora não tem ligação com o comércio varejista, ao qual a senhora entregará todos esses brindes, com vasta margem de lucro?
Com grande surpresa para os meus companheiros, ela apenas respondeu:
- Meu senhor, eu também sou cega e, por isso mesmo, devo compreender a necessidade dos outros...
O assunto foi encerrado e todos nós que assistimos ao curioso diálogo, em grande silêncio, conseguimos entesourar a valiosa lição.
Augusto Cezar