Trecho de Conversa

- A propósito da divulgação da doutrina Espírita – disse-nos, ainda agora, Samuel de Cirene, velho amigo da cultura israelista -, recordarei singelo acontecimento que os séculos apagaram...

E contou

- Certa feita, nos primeiros tempos do Cristianismo, a peste devorava grande extensão da Capadócia e da Galácia, reduzindo industriosas populações ao desespero. Depois da doença fulminativa, veio a fome e, com a fome, surgiram tristeza e penúria, aflição e abandono... Largos movimentos de solidariedade se improvisaram, aqui e ali, para socorro às vítimas, e o apelo à generosidade pública alcançou Antioquia, onde um grupo de cristãos abnegados se entregou ao apostolado do auxílio. Em dias rápidos, numerosas famílias se despojaram de utilidades diversas, enquanto corações generosos ofereciam recursos financeiros, em favor dos desamparados. Tamanho foi o montante das preciosidades, que seis barcos, de um porto da Salêucia, partiram repletos. A viagem começou entre prestos e cânticos de louvor; entretanto, depois de algumas horas, grosso nevoeiro desceu sobre as águas e as nuvens pareciam tão perto que mais se assemelhavam a montanhas de carvão em forma de neblina... Sobreveio a noite, sem que se tivesse notícia do por-do-sol, a não ser através de tênue clarão, lembrando atmosfera de candoeiro longínguo... Findo longo tempo sobre a onda agitada, a frota beneficente foi arrojada a maciço de penhascos, despedaçando-se de encontro aos rochedos. Por esquecimento dos responsáveis, os faróis de ilha vizinha jaziam apagados e a valiosa carga se perdeu por inteiro... Esse antigo incidente, meus amigos, ilustra a necessidade da divulgação criteriosa do Espiritismo, em todas as direções. Indiscutivelmente, todos precisamos da bondade que auxilia o corpo e lhe sana as mazelas, mas não nos é lícito esquecer, sem prejuízo grave, as exigências do espírito.

Esta, a observação de um dos amigos experientes que nos seguem a viagem, na conversação desta noite aprazível. Registro-a, de escantilhão, através do lápis, porque, se ainda hoje líamos enternecidamente, aqui mesmo, o inolvidável aviso de Allan Kardec: “fora da caridade não há salvação”, será justo acrescentar, com todo o nosso respeito à memória do Codificador, que “fora da luz não existe caminho”.

(Paris, França, 23, Agosto, 1965.)


Irmão X