A Arte de Envelhecer
É ainda preconceituosa e inamistosa a maneira com que muitos
analisam e consideram o envelhecimento físico, sem se darem conta, na maioria
das vezes, que, os que assim pensam e agem, estarão fadados a essa experiência
no ciclo da vida biológica, a não ser que morram prematuramente.
Nós mesmos, que procuramos tratar com naturalidade esta fase da vida, a qual já
adentramos, nos vemos em certas ocasiões apreensivos com as limitações que a
decadência física nos impõe.
Olhando-me no espelho, certa manhã, tentei recordar o meu rosto de outrora...
Estranhei a aparência física que a realidade refletia; a princípio até
perturbei-me um pouco, por não ver delineadas com precisão as linhas de contorno
de minha face, nem a jovialidade e o brilho de outros tempos...
Pensei: A cada dia estou envelhecendo um pouco mais... Percebi as marcas dos
vincos que estão se acentuando, as minúsculas rugas no terminal dos olhos, os
traços das preocupações redobradas, na parte superior do rosto... Notei que meus
olhos já não têm tanto brilho e a percepção visual diminui a cada dia... Sei que
já não ouço os sons com a nitidez e a precisão que muitos momentos requerem…
Minha voz está ficando menos clara e a sua potencialidade decai, enquanto perde
a musicalidade e o poder de expressar tudo o que penso e o que sinto... E meus
cabelos? Notei que nem a ilusão da tintura consegue restituir a maciez de
outrora, o brilho e a vitalidade...
Lembrei-me de um poema de Cecília Meirelles onde dizia: “Em que espelho do tempo
ficou perdido meu rosto?...” Repeti seu pensamento: Em que espelho do tempo ele
se perdeu?
Mudamos muito, realmente. Mudamos tanto íntima como exteriormente. O desgaste da
vida, os problemas do cotidiano, as lutas, os deveres que se tornam presentes
ante a responsabilidade da família, do trabalho, vão nos desgastando ao longo
dos anos. Todavia, para nossa felicidade, sentimos que o desgaste maior é
exterior, não afetando nosso mundo íntimo... Amadurecemos interiormente a cada
ano.
Interessante é observar que não nos sentimos tão envelhecidos assim, quando
analisamos nossa idade mental e a comparamos com a idade física. A maioria das
pessoas se sentem intimamente com menos idade.
Refletindo em torno do envelhecimento físico, busquei uma análise mais profunda
acerca de meu estado interior. Percebi que o mais importante é como eu estou me
sentindo; procurei inspecionar-me interiormente e na busca desse
autoconhecimento, através de uma avaliação sincera, constatei que existem muitas
vantagens, muitos avanços e conquistas imperecíveis com relação à vida e ao meu
próximo.
Percebi que, ainda, sou capaz de amar intensamente. Amo a vida, amo meus
familiares, amo meus amigos, amo a Natureza e sobretudo amo a Deus… Esse amor
imenso que sinto dentro de mim dá um novo colorido a tudo o que me cerca. Sei
que essa capacidade de amar não é um privilégio. Todos nós podemos amar sempre,
pois estamos imersos no imensurável Amor de Deus!…
Aprendi a perdoar. Não guardo o lixo mental das mágoas e dos ressentimentos
porque isso faz mal ao meu ser e procuro esquecer o lado negativo das pessoas e
das coisas…
Faço planos, sonho e tenho ideais que busco concretizar a cada momento de minha
vida… Luto por esses ideais e pelos meus sonhos, mas sei que alguns são
irrealizáveis, contudo não dispenso suas companhias, nem a ilusão com que eles
enfeitam meus dias…
Não perdi o prazer de conversar, de viajar, de conhecer lugares e pessoas… Leio
intensamente um bom livro e me sinto feliz com as histórias de outras vidas que
se realizam no bem, as descrições de lugares tão belos que o autor imprime em
sua obra... Admiro a arte dos que conseguem escrever sensibilizando seus
leitores… Seja uma narrativa simples tocada de sensibilidade, ou a mais profunda
reflexão filosófica…
Tenho procurado desenvolver em meu ser o sentimento da generosidade e o da
gratidão… Poucas pessoas são agradecidas a Deus, à Natureza, à família, aos que
lhe ajudaram ao longo da vida… São tantas as dádivas recebidas e procuro
recordá-las, e agradeço a Deus evocando cada pessoa que foi importante em minha
infância, em minha juventude e que me ensinaram a respeitar as leis divinas e a
entendê-las... Geralmente, o coração humano torna-se generoso através do
exercício da gratidão.
Olhando-me no espelho da vida, neste amanhecer, percorri os recantos mais
íntimos de meu ser e concluí que sou feliz... Não a felicidade efêmera e fugaz
da vida transitória, mas a que nos confere uma consciência em paz de quem está
fazendo o possível para ser feliz e a de fazer feliz ao seu próximo...
Esta compreensão maior que a Doutrina Espírita nos dá em torno do real sentido
da vida, no trato com os problemas do dia-a-dia, no enfrentamento das
dificuldades e limitações que o envelhecimento físico proporciona, é luz a
direcionar nossos passos rumo ao nosso destino maior, neste entardecer da
vida...
“A velhice deve ser considerada inevitável e ditosa pelo que encerra de
gratificante, após as lutas cansativas das buscas e das realizações. É o
resultado de como cada qual se comportou, de como foi construída pelos
pensamentos e atitudes, ou enriquecida de luzes e painéis com recordações
ditosas ou infelizes.(…) Envelhecer é uma arte e uma ciência, que devem ser
tomadas a sério, exercitando-as a cada instante, pois que, todo momento que
passa conduz à senectude, caso não advenha a morte, que é a cessação dos
fenômenos biológicos.”1
Somente isto não podemos reverter…
Lucy Dias Ramos - RIE