Entre Duas Semanas

Quando o irmão Rogério, um dos mentores espirituais do grupo, concluia as instruções da noite, pela médium Dona Jovina, João Anselmo, corretor de imóveis e um dos freqüentadores da casa, apelou para ele, solicitando:

- Querido benfeitor, os planos de caridade que alimento, desde muito, exigem recursos, a fim de se expressarem!... Compreendo e compreendo muito bem que os princípios espíritas não me autorizam a rogar-vos apoio na solução de problemas financeiros, entretanto... Como desejaria receber o amparo da Vida Maior! Tantos doentes abandonados, tantos meninos desprotegidos!... Dinheiro, meu amigo!... Dinheiro é o material de que necessito para a formação de um lar em que me seja possível começar a tarefa socorrista a que me proponho... Obtendo possibilidades justas, guardo a certeza de que conseguirei ajudar a muitos. Imaginemos que a vossa bondade me situe nos braços algumas facilidades, das quais posso partir no rumo de aquisições maiores... Alguma cooperação inesperada, algum negócio feliz!... Então, estaríamos em condições de principiar... Oh! meu amigo! A beneficência!... Haverá no mundo algo de mais sublime? Entretanto, para auxiliar em favor de alguém, carecemos de auxílio... E, em tudo isso, dinheiro é o problema! Em nome do Senhor, peço-vos!... Amparai-me!... Tenho necessidade de socorro amoedado para servir!...

O Espírito amigo, na organização mediúnica, alongou-se no silêncio com que registrava a petição, e anotou, em seguida:

- Entendo, meu caro... Sua rogativa é muito simpática. Temos porém, agora, o nosso horário precisamente encerrado e, em razão disso, tornaremos ao assunto, na próxima reunião. Creia que Deus tem sempre o melhor para nos dar. 

Anselmo revestiu-se de ansiosa expectativa e passou a esperar. 

Decorridos dois dias, encaminhava-se de um sítio para outro, nos arredores da cidade que lhe serve de residência, quando assinalou, quase rente a ele, forte remoinho de vento. Estacou, por instantes, procurando evitar a nuvem de pó, e, tão logo cessou o brando tumulto na natureza, viu que, aos seus pés pousara uma cédula de dez cruzeiros novos. 

O ar em movimento lhe trouxera a doação imprevista. 

Recolheu o dinheiro, alegremente, e prosseguiu na marcha. 

Não contara, ainda, duzentos passos, quando se abeirou dele triste mulher em farrapos, a rogar-lhe em desconsolo:

- Meu senhor, ajudai-me, por amor de Deus!...

- Que deseja a senhora de mim? – trovejou a voz do agente comercial. 

- Caridade para meu filho necessitado de alimento e remédio... Preciso pagar à farmácia o débito de dois cruzeiros a fim de poder continuar recebendo novos medicamentos... Socorrei-me, Senhor!...

- Que pensa a senhora que sou? Algum banco ambulante? Não roubei, nem ganhei na loteria...

- Piedade, senhor!...

E porque a desditosa criatura se pusesse de joelhos, o corretor gritou, áspero:

- Saia da minha frente! Sou um homem ocupado, tenho mais o que fazer! Se quiser dinheiro, que vá trabalhar!...

Reergueu-se a pedinte, retrocedendo humilhada, enquanto o mal-humorado viajor continuava a caminho. 

Transcorrida uma semana, eis Anselmo, de novo, na reunião, perante Irmão Rogério que distribuia os benefícios da evangelização. 

Pedia dinheiro, aguardava dinheiro...

Rogério lhe ouviu a longa súplica, fixando o belo sorriso na expressão fisionômica, e rematou:

- Anselmo, meu filho, estamos observando a força de suas promessas e decisões. Sem dúvida que o dinheiro é necessário para a execução de determinadas obras de beneficência na Terra, mas se você não tem ainda a precisa coragem para se desfazer de dois cruzeiros, em favor de pobre mãe, depois de haver recebido dez cruzeiros, que lhe colocamos aos pés, através do vento, de que modo conseguirá você auxiliar os outros, se o Mundo Espiritual lhe confiar agora a fortuna de alguns milhões?


Irmão X