No Correio Fraterno
Meu amigo, diz você, em vernáculo precioso, que a crença nos Espíritos
desencarnados é característico de miséria intelectual.
Em sua conceituação de garimpeiro da retórica, os problemas do Espiritualismo contemporâneo se resumem a uma exploração de baixa estirpe, alimentada por uma chusma de idiotas, nos quais o sofrimento ou a ignorância galvanizaram o complexo da fé inconsciente.
Com a maior sem-cerimônia deste mundo, assevera você que a convicção dos
espiritistas de hoje é uma peste mental, surgida com Allan Kardec, no século passado, e acentua que o pensamento aristocrático da antiguidade jamais cogitou de semelhante movimentação idealística.
O seu noviciado no assunto é claro em demasia para que nos disponhamos a
minuciosa esclarificação do pretérito.
Se puder escutar-nos, no entanto, por alguns momentos, não nos meta a ridículo
se lembrarmos que a idéia da imortalidade nasceu com a própria razão no cérebro
humano.
Não sei se você já leu a história do Egito, mas, ainda mesmo sem a vocação de um
Champollion, poderá informar-se de que, há milênios, a nobreza faraônica
admitia, sem restrições, a sobrevivência dos mortos, que seriam julgados por um
tribunal presidido por Osíris, dentro do mais elevado padrão de justiça.
Os grandes condutores hindus, há muitos séculos, chegavam a dividir o Céu em
diversos andares e o Inferno em vários departamentos, segundo as Leis de Manu.
Os chineses, não menos atentos para com a suprema questão, declaravam que os
mortos eram recebidos, além do túmulo, nos lugares agradáveis ou atormentados
que haviam feito por merecer.
Os romanos viviam em torno dos oráculos e dos feiticeiros, consultando as vazes
daqueles que haviam atravessado o leito escuro do rio da morte.
Narra Suetônio que o assassínio de Júlio César foi revelado em sonhos.
Nero, Calígula e Cômodo eram obsidiados célebres, perseguidos por fantasmas.
Marco Aurélio sente-se inspirado por entidades superiores, legando suas
reflexões à posteridade.
Na Grécia, os gênios da Filosofia e da Ciência formulam perguntas aos mortos, no
recinto dos santuários.
Tales ensina que o mundo é povoado por anjos e demônios.
Sócrates era acompanhado, de perto, por um Espírito-guia, a ditar-lhe conselhos
pertinentes à missão que lhe cabia desempenhar.
Na Pérsia, o zoroastrismo acende a crença na lei de retribuição, depois do
sepulcro, sob a liderança de Ormuzd e Arimã, os doadores do bem e do mal.
Em todos os círculos da cultura antiga e moderna, sentimos o sulco marcante da
espiritualidade na evolução terrestre.
Acima de todas as referências, porém, invocamos o Evangelho, em cuja sublime
autoridade você se baseia para menosprezar a verdade.
O Novo Testamento é manancial de Espiritismo divino.
O nascimento de Jesus é anunciado, por vias mediúnicas, não só à pureza de
Maria, mas à preocupação de José e à esperança de Isabel, Ana e Simeão.
Em todos os ângulos da passagem do Mestre, há fenômenos de transubstanciação da
matéria, de clariaudiência, de clarividência, de materialização, de cura, de
incorporação, de levitação e de glória espiritual.
Em Caná, transforma-se a água em vinho; junto à corrente do Jordão, fazem-se
ouvir as vazes diretas do Céu; no Tabor, corporificam-se Espíritos sublimados;
em lugares diversos, entidades das trevas apossam-se de médiuns infelizes,
entrando em contacto com o Senhor; no lago, o Cristo caminha sobre a massa
líquida e, depois do Calvário, surge o Amigo Celeste, diante dos companheiros
tomados de assombro, demonstrando a ressurreição individual, além da morte...
Tudo isto é realidade histórica, insofismável, mas você afirma que para crer em
Espíritos será necessário trazer complicações na cabeça e chagas na pele.
Não serei eu, “homem-morto” há dezesseis anos, quem terá a coragem de
contradizê-lo.
Naturalmente, se este correio de fraternidade chegar às suas mãos, um sorriso
cor-de-rosa aparecerá triunfante em suas bochechas felizes; mas não se glorie,
excessivamente, na madureza adornada de saúde e dinheiro, porque embora eu
deseje a você uma existência no corpo de carne, tão longa quanto a de Matusalém,
é provável que você venha para cá, em breves dias, ensaiando o sorriso amarelo do desencanto.
Irmão X