O Descuido Impensado

No orfanato em que trabalhava, Irmã Clara era o ídolo de toda gente pelas virtudes que lhe adornavam o caráter.

Era meiga, devotada, diligente.

Daquela boca educada não saíam más palavras.

Se alguém comentava falhas alheias, vinha solícita, aconselhando:

- Tenhamos compaixão...

Inclinava a conversa em favor da benevolência e da paz.

Insuflava em quantos a ouviam o bom ânimo e o amor ao dever.

Além do mais, estimulava, acima de tudo, em todos os circunstantes a boa-vontade de trabalhar e servir para o bem.

- Irmã Clara – dizia uma educadora -, tenho necessidade do vestido para o sábado próximo.

Ela, que era a costureira dedicada de todos, respondia, contente:

- Trabalharemos até mais tarde. A peça ficará pronta.

- Irmã – intervinha uma das criadas -, e o avental?

- Amanhã será entregue – dizia Clara, sorrindo.

Em todas as atividades, mostrava-se a desvelada criatura qual anjo de bondade e paciência.

Invariavelmente rodeada de novelos de linha, respirava entre as agulha e a máquina de costurar.

Nas horas da prece, demorava-se longamente contrita na oração.

Com a passagem do tempo, tornava-se cada vez mais respeitada. Seus pareceres eram procurados com interesse.

Transformara-se em admirável autoridade da vida cristã.

Em verdade, porém, fazia por merecer as considerações de que era cercada.

Amparava sem alarde.

Auxiliava sem preocupação de recompensa.

Sabia ser bondosa, sem humilhar a ninguém com demonstrações de superioridade.

Rolaram os anos, como sempre, e chegou o dia em que a morte a conduziu para a vida espiritual.

Na Terra, o corpo da inesquecível benfeitora foi rodeado de flores e bênçãos, homenagens e cânticos e sua alma subiu, gloriosamente, para o Céu.

Um anjo recebe-a, carinhoso e alegre, à entrada.

Cumprimentou-a. Reportou-se aos bens que ela espalhara, todavia, sob impressão de assombro, Irmã Clara ouviu-o informar:

- Lastimo não posso demorar-se conosco senão três semanas.

- Oh! por quê? – interrogou a valorosa missionária.

- Será compelida a voltar, tomando novo corpo de carne no mundo – esclareceu o mensageiro.

- Como assim?

O anjo fitou-a, bondoso, e respondeu:

- A Irmã foi extremamente virtuosa; entretanto, na posição espiritual em que se encontrava não poderia cometer tão grande descuido. Desperdiçou uma enormidade de fios de linha, impensadamente. Os novelos que perdeu, davam para costurar alguns milhares de vestidos para crianças desamparadas.

- Oh! Oh! Deus me perdoe! – exclamou a santa desencarnada – e como resgatarei a dívida?

O anjo abraçou-a, carinhoso, e reconfortou-a dizendo:

- Não tema. Todos nós a ajudaremos, mas a querida irmã recomeçará sua tarefa no mundo, plantando um algodoal.


Néio Lúcio