O Grande Restaurador

As palavras que Ele pronunciava, emolduravam-se com os atos que Ele realizava. Identificado com Deus, Suas mãos produziam as curas mais diversas, e que nunca haviam acontecido antes.

De todo lugar, portanto, particularmente da Síria, traziam doentes: paralíticos, cegos, surdos, lunáticos, infelizes de todo porte, que chegavam exibindo suas dores mais cruéis e padecimentos sem conforto.

Jesus, tomado de compaixão, atendia-os, ministrando-lhes o bálsamo da misericórdia que escorria pelas mãos e alterava a tecedura orgânica desorganizada, restaurando-lhes a saúde.

Era natural que, à medida que libertava os enfermos das suas mazelas, que eles próprios haviam buscado através da insensatez, da perversidade e do crime, mais necessitados O buscassem com avidez e tormentos. Ele porém, não atendia a todos quantos se Lhe apresentassem procurando a recuperação orgânica, emocional ou mental. A Sua era uma terapia de profundidade, que sempre convocava o paciente a não voltar a pecar, evitando-se novos comprometimentos tormentosos, para que não acontecesse nada pior. Essa sim, seria a cura real, a de natureza interior, mediante a transformação moral, em razão de se encontrar no imo do ser a causa do seu padecimento.

Conhecendo que todos os seres procedem de outros caminhos, os mais variados, que foram percorridos pelos multifários renascimentos carnais, cada qual imprime nos tecidos delicados do Espírito os atos que praticaram, fazendo jus às ocorrências de dor e sombra em que se encontravam, assim como das alegrias e da saúde que os visitavam. A criatura é a semeadora, mas também a ceifeira dos próprios atos, que se insculpem nos refolhos do ser, desenhando as futuras experiências humanas no corpo.

Eis porque, nem todos os doentes Lhe recebiam a atenção que esperavam encontrar. Não estavam em condições de ser libertados das aflições que engendraram antes para eles próprios, correndo o risco de, logo que se encontrassem menos penalizados, corressem na busca de novas inquietações.

A sabedoria de Jesus é inigualável, porque penetra no âmago dos acontecimentos, de onde retira o conhecimento que faculta entender o que sucede com cada qual que O procura.

Aqueles homens e mulheres alienados, de membros paralisados, sem audição, nem claridade ocular, procediam de abismos morais em que se atiraram espontaneamente, desde que luz em toda criatura a noção da verdade, do dever e se encontram ínsitos os impulsos do amor e da paz. Não obstante, a teimosia rebelde despreza os sinais de perigo e impõe os caprichos da personalidade inquieta, desejando alterar os impositivos das Leis universais a seu benefício e em detrimento das demais pessoas, no que resultam os dramas imediatos e futuros que sempre alcançam os infratores.

Jesus não se permitiria alterar os Soberanos Códigos, beneficiando aqueles que se encontravam incursos nos resgates não concluídos, deixando outros ao abandono. A Sua é a justiça ideal, que não privilegia, nem esquece.

Temos a real demonstração no atendimento ao nado-cego. Aquele homem nascera cego e sofria, mas não reclamava. Quando Jesus passou próximo a ele, os amigos interrogaram: - Senhor, quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse cego?

Como ele era cego de nascença, não poderia ter pecado na atual existência, e igualmente não poderia resgatar dívidas de seus pais, caso fossem pecadores.

Jesus, que lhe penetrara a causalidade da cegueira, redargüiu, sereno:

- Nem ele, nem seus pais pecaram, mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus. (1)

Tratava-se de um voluntário, que se apresentava no ministério de Jesus, a fim de que se pudessem manifestar as obras de Deus, o poder de que se encontrava possuidor o Mestre. E, ato contínuo, curou o homem, utilizando-se de um processo especial, que pudesse impressionar os circunstantes.

A Sua autoridade moral produzia vibrações que afastavam os Espíritos perversos, para os quais, o verbo franco e gentil não lograva o êxito que se fazia necessário. Perdidos em si mesmo, conheciam da vida apenas o temor que experimentavam e que infligiam nas suas vítimas. Outros enfermos, no entanto, ao leve contato das Suas mãos recebiam a energia vitalizadora, que restaurava o campo vibratório onde se encontravam as matrizes geradoras das aflições, modificando-lhe as estruturas e reabilitando o equilíbrio.

Dessa forma, era facultado ao endividado recuperar-se moralmente pelo bem que pudesse fazer, pela utilidade de que se tornava portador, auxiliando outras pessoas que dele se acercassem.

A humanidade ainda padece essas conjunturas aflitivas que merece.

Existem muitos seres humanos que andam, porém, são paralíticos para o bem, encontrando-se mutilados morais, dessa maneira, sem interesse por movimentarem a máquina orgânica de que se utilizam para a própria como a edificação do seu próximo. Caminham, e seus passos os dirigem para as sombras, a que se atiram com entusiasmo e expectativas de prazer, imobilizando-se nas paixões dissolventes, que terão de vencer...

Há outros que pensam, mas a alucinação faz parte da sua agenda mental: devaneando no gozo, asfixiando-se nos vapores entorpecentes, longe de qualquer realização enobrecedora. Intoxicados pela ilusão dos sentidos, não conseguem liberar-se das fixações perniciosas, que os atraem e os dominam.

... E quantos que têm olhos e ouvidos, mas apenas se utilizam para os interesses servis a que se entregam, raramente direcionando a visão para o Alto e a audição para a mensagem de eterna beleza da vida?

Ainda buscam Jesus nos templos de fé, a que ocorrem, uma que outra vez, mantendo a fantasia de merecer privilégios, de desfrutar regalias, sem qualquer compromisso com a realidade, ou expectativa ditosa para o amanhã, sem a mórbida inclinação para o vício, para a perversão.

Alguns conseguem encontrá-lO e se fascinam por breves momentos, logo O abandonando, porque não tiveram a sede de gozo atendida, nem se fizeram capazes de sacrificar a dependência tormentosa, a fim de serem livres.

Não são poucos aqueles que se encontram escravizados à infelicidade por simples prazer, a que se acostumaram, disputando a alegria de permanecer no pantanal das viciações morais.

Estão na luz do dia e deambulam nas sombras da noite. Possuem razão e discernimento, no entanto, os direcionam exclusivamente para os apetites apimentados do insaciável gozo.

Vivem iludidos e se exibem, extravagantes, no palco terrestre, até quando as enfermidades dilaceradoras _ de que ninguém se pode evadir _ ou a morte os dominam e consomem. Despertam, mais tarde, desiludidos e sem glórias, sem poder, empobrecidos de valores morais, que nunca os acumularam.

Jesus, é, portanto, o grande restaurador, mas cada Espírito tem o dever de permitir-se o trabalho de auto-renovação, em favor da própria felicidade.

A Sua voz continua ecoando na acústica das almas:

- Vinde a mim... Eu vos aliviarei!

É necessário porém, ir a Ele...


(*) Mateus: 4 _ 24 e 25. João: 9 _ 2 e 3. Nota da Autora espiritual.


(Jornal Mundo Espírita de Outubro de 2000)


Amélia Rodrigues