A Ciência e o Espírito
Em pleno início do século XXI e dos desenvolvimentos científicos e
tecnológicos que nos aguardam neste novo milênio, somos levados a reavaliar a postura do Espiritismo perante a Ciência. Embora Kardec tenha enunciado que “O Espiritismo e a Ciência se completam um pelo outro” eles permanecem separados, sobretudo porque o preconceito científico e sistemático da chamada “Ciência Oficial” (ou acadêmica), mantendo sua postura materialista e céptica, leva à negação a priori dos fenômenos espíritas, tomados como superstição ou fraude e, conseqüentemente, rotulando o Espiritismo como destituído de bases científicas.
O Espiritismo é definido por Kardec como “a ciência que estuda a origem, a natureza e a destinação dos Espíritos, bem como sua relação com o mundo
corpóreo. É ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma filosofia de
conseqüências morais” .
Por outro lado, uma boa definição de ciência é “um conjunto organizado de
conhecimentos relativos a um determinado objeto, especialmente os obtidos
mediante a observação, a experiência dos fatos e um método próprio” .Assim dois
elementos são essenciais para ter-se uma ciência: o objeto e o método de estudo
deste objeto, que de acordo a definição acima, precisa ser adequado ao objeto.
Classicamente falando, a ciência se baseia no método indutivo, que parte do
particular para o todo, sendo portanto reducionista, empirista e cartesiana. Um
dos critérios citados como de máxima importância seria a da reprodutibilidade
dos experimentos, em qualquer parte do mundo, por qualquer pessoa, desde que as
condições fossem mantidas as mesmas. Mas se formos rígidos no método clássico,
deixaríamos de considerar como ciências a História, a Sociologia, a Psicologia,
etc., o que nos parece completamente absurdo, desde que não se produzam fatos
históricos em laboratório, e tão pouco se reproduzem comportamentos em pessoas
submetidas às mesmas condições. O que difere as Ciências Humanas das Ciências
Exatas ou Naturais são justamente o objeto e o método, embora em alguns casos o
objeto pode ser mesmo: o homem.
Assim é que o Espiritismo, por possuir um objeto de estudo completamente alheio
à “Ciência Oficial”, ou seja, o espírito ou princípio inteligente, requer um
método próprio, adequado. Kardec define este método em relação à fenomenologia
espírita quando usa o termo “ciência de observação”, a qual consiste na
observação criteriosa dos fatos, buscando entender suas origens, suas causas.
Também a História é uma ciência de observação, e assim como não se reproduzem
fatos históricos, não se pode exigir a reprodução inequívoca de fenômenos
espíritas, desde que o objeto de estudo é inteligente, emocional e volitivo – o
Espírito.
Para o Espiritismo, a existência do Espírito e de sua comunicabilidade é um
fato, decorrente do axioma de que “todo efeito inteligente precisa ter,
necessariamente, uma causa inteligente”. O que importa é o controle sobre a
legitimidade da comunicação que se obtém através dos fenômenos mediúnicos, quer
de efeitos físicos ou de efeitos inteligentes, e para tanto Kardec definiu um
método doutrinário próprio, sumarizado por Herculano Pires em quatro pontos
principais:
“i) Escolha de colaboradores mediúnicos insuspeitos, tanto do ponto de vista
moral, quanto da pureza das faculdades e da assistência espiritual;
“ii) Análise rigorosa das comunicações, do ponto de vista lógico, bem como do
seu confronto com as verdades científicas demonstradas, pondo-se de lado tudo
aquilo que não possa ser justificado;
“iii) Controle dos Espíritos comunicantes, através da coerência de suas
comunicações e do teor de sua linguagem;
“iv) Consenso universal, ou seja, concordância de várias comunicações, dadas por
médiuns diferentes, ao mesmo tempo e em vários lugares, sobre o mesmo assunto”.
Muito dos chamados pesquisadores espíritas envidam esforços para a comprovação
da existência dos Espíritos e da imortalidade da alma, mas freqüentemente
empregando os métodos da Química, da Física, da Biologia, etc., que são
adequados à matéria, mas não ao Espírito. O máximo que poderão conseguir é um
melhor entendimento dos fenômenos de efeito físico e do perispírito, que é a
parte material do Espírito, o seu corpo de manifestação, mas jamais do princípio
inteligente, que é imaterial e foge a todas as técnicas de investigação da
matéria. Enquanto isso, a Ciência Espírita, baseada no método kardecista, foi
praticamente abandonada pelos espíritas...
Voltando ao confronto Ciência e Espírito, embora à primeira vista há conceitos
espíritas que parecem ser desmentidos ou postos em dúvida pela Ciência, o
desenvolvimento da ciência no século passado muitas vezes apontou na direção da
confirmação dos princípios espíritas. A desintegração da matéria em partículas
cada vez mais elementares e a interconversão matéria/energia, como estabelecido
pelas Mecânicas Quântica e Relativística, respectivamente, apontam a
possibilidade de existência uma “matéria elementar”– o que é coerente com o
princípio espírita da existência de um fluido universal (ou cósmico), proposto
pelos Espíritos Codificadores.
A medicina psicossomática, a escrita automática, o corpo bioplásmico, a terapia
de vidas passadas (TVP), a psicologia transpessoal, cada uma em sua própria área
de atuação, gradativamente vêm fazendo avanços que confirmam a teoria espírita,
mas não provam por “a mais b” a existência do Espírito e sua sobrevivência ao
corpo, permanecendo muitas vezes injustamente marginalizadas do ponto de vista
acadêmico.
Entretanto, consideramos precipitado substituir a terminologia espírita pela
terminologia científica, pois poderemos incorrer em graves erros, que podem
levar à descaracterização da Doutrina Espírita. Alguns confrades espíritas,
afoitos em respeitar a natureza evolutiva do Espiritismo, como estabelecido por
Kardec em “A Gênese” 1, substituíram em seus escritos a palavra fluido por
energia, chamam o perispírito de corpo eletromagnético do Espírito e alguns
chegaram a afirmar que o princípio vital nada mais seria que o DNA...
Lembremos o ensinamento do codificador: “Melhor é recusar nove verdades, a
aceitar uma única mentira”.
O Espiritismo é uma ciência sim! Mas é preciso respeitar-lhe objeto e método.
Lúcido foi Kardec, ao enunciar que “o Espiritismo e a Ciência se completam um
pelo outro; a ciência, sem o Espiritismo, se acha impossibilitada de explicar
certos fenômenos, unicamente pelas leis da matéria; o Espiritismo, sem a
ciência, ficaria sem apoio e exame” 1.
O autor é bacharel e mestre em Química pela UFBA, doutorando em Química pela
UNICAMP. Iniciou seus estudos espíritas no CEHC em 1989, é sócio fundador da
Sociedade de Educação Espírita da Bahia – SEEB e criador e moderador da lista
eletrônica “Evangelho-na-Net”, através da qual distribui diariamente mensagens
espíritas de caráter moral (Evangelho-na-Net-subscribe@yahoogroups.com).
[1] Kardec, A., A Gênese, LAKE.
[1] Kardec, A., O que é o Espiritismo, FEB.
[1] Dicionário Aurélio Eletrônico.
[1] Pires, H., Ciência Espírita, FEESP.
[1] Pires, H., in “Introdução ao Livro dos Espíritos”, O Livro dos Espíritos,
LAKE.
[1] Kardec, A., O Livro dos Médiuns, LAKE.
Artur Mascarenhas