Deus, Jesus e o Espiritismo
Deus é o Pai, Jesus é seu filho, como todos nós. Cabe a nós apressar nossa chegada às ordens superiores. Se ainda nos atrasamos tanto é porque não compreendemos a mensagem.
Repetem-se todos os anos as teatralizações da paixão e morte de Jesus. Famosos atores são convidados para viver o Cristo na cruz. Felizes com os aplausos e elogios do público, alguns até desrespeitosos, recebem os cachês e se realizam.
Nada temos contra eles. São profissionais que lutaram para ter o destaque que hoje desfrutam. Lamentável é que os religiosos perpetuem essa heresia e os poderes oficiais prestigiem os espetáculos. Seria mais útil mostrar aos homens o verdadeiro Jesus, mensageiro da Boa Nova, usando esses eventos para divulgar o cristianismo e não só as repetidas cenas de sofrimento e agressão.
Quando estudamos o Mestre de Nazaré encontramos lições e exemplos que Ele deu
sobre as leis da vida, e não temos de nos concentrar no homem trôpego e lânguido
que acabou pregado à cruz infamante. Sua mensagem traz orientações para que
vivamos a felicidade na Terra, apesar de ser ela, ainda, um mundo de provações e
resgates.
Há religiões que afirmam ter Jesus derramado seu sangue para lavar os pecados do
homem. Mas o que encontramos nas escrituras é diferente. "Faz que o céu te
ajudará", "a cada um será dado segundo suas obras", "a semeadura é livre, mas a
colheita é obrigatória". Mas, mesmo que Ele tenha lavado nossos pecados, já
pecamos tudo de novo, muitas vezes. O sofrimento e o sangue derramado no momento
da agonia transformaram-se no corolário apoteótico que marcou uma vida de
renúncia plena, em favor da humanidade. A tal ponto que a cruz ignominiosa
transformou-se em símbolo de fé depois que Jesus a ocupou.
Isoladamente, porém, a cena envergonha os homens que pagaram com a traição o
maior gesto de amor que lhes foi oferecido. Os interesses materiais falaram, e
ainda falam, mais alto.
No livro "O Consolador", quando indagado se o sacrifício de Jesus deve ser
apreciado apenas pelo doloroso sofrimento do Calvário, Emmanuel respondeu: "O
Calvário representou o escoamento da obra do Senhor, mas o sacrifício na sua
exemplificação se verificou em todos os dias da sua passagem pelo planeta. E o
cristão deve buscar, antes de tudo, o modelo nos exemplos do Mestre, porque o
Cristo ensinou com amor e humildade o segredo da felicidade espiritual, sendo
imprescindível que todos os discípulos edifiquem no íntimo essas virtudes, com
as quais saberão suportar o calvário das suas próprias dores, quando chegar o
momento."
No que respeita ao Criador, objeto da pergunta primeira de O Livro dos Espíritos
— Que é Deus? — o Espiritismo o define como perfeição e misericórdia absolutas.
Compreende que o grande legislador do Universo não cuida individual e
prioritariamente de ninguém, mas deixa-nos livres para que nos movimentemos à
vontade por entre as leis, colhendo os resultados das ações. E isso independe de
religião.
Passados quase dois milênios, não se pode mais aceitar a idéia de que Deus puna
os homens por suas faltas. Se Deus é misericórdia plena, quer o bem de seus
filhos. A vinda de Jesus à Terra é prova do amor das Esferas Superiores pelos
homens, por mais imperfeitos que sejam.
E o Cristo veio para todos. O tempo do Deus que castigava já passou e não
conseguiu remir a humanidade.
Considerando-se a necessidade de reencarnarmos amiúde, ainda por muito tempo,
fala-se de resgates a que o homem estaria obrigado por faltas cometidas,
sujeitando-se a sofrimentos que atingiriam os órgãos causadores dos erros.
Exemplificando, o fumante inveterado, que lesou seu corpo numa encarnação, seria
condenado a receber pulmões, brônquios e outras partes defeituosas ou
imperfeitas, como forma de punição.
Ainda hoje, lamentavelmente, há quem afirme que reencarnamos para sofrer e
pagar, quando na verdade a oportunidade nos é dada para aprender ou reaprender o
que não foi devidamente assimilado. É puro folclore admitir que haveria um
estoque universal de componentes humanos, de onde Deus retiraria órgãos lesados
para oferecer ao candidato a novo corpo. Qual seria a utilidade do castigo, se
não tivéssemos consciência do que fizemos no passado?
É tempo de compreender que somos conseqüência interminável de nós mesmos. As
atuais lesões das partes doentes foram causadas por nós e se encontram
impregnadas no perispírito, que é a matriz do corpo físico. Quando lesamos os
órgãos materiais, fazemos o mesmo com os espirituais. Ao retornar à Terra
trazemos essas imperfeições e as materializamos no novo corpo.
Os órgãos comprometidos durante a vida na matéria ficam conosco, pela lei de
causa e efeito, nas condições em que os transformamos. A imperfeição é,
portanto, resultado do nosso comportamento. Não é Deus que pune ou perdoa,
porque as leis é que definem tudo. Não há castigo, mas carma na acepção do
sentido.
Consultemos o dicionário:
Verbete: carma [Do sânscrito. karmam.]
S. m. Filos.
1. Nas filosofias da Índia, o conjunto das ações dos homens e suas
conseqüências.
Liga-se o carma às diversas teorias de transmigração, e por meio dele se definem
as noções de destino, do desejo como força geradora do destino, e do
encadeamento necessário, por força desses dois fatores, entre os diversos
momentos da vida dos homens.
Vê-se, pela definição acima grifada, que carma é o resultado de coisas más ou de
coisas boas; "é o conjunto das ações dos homens e suas conseqüências". Somos,
quando se tem isto bem compreendido, o herdeiro de nós mesmos, causa e efeito de
tudo o que nos acontece.
Quando se lê na explicação do carma, entre os diversos momentos da vida do
homem, compreendamos, como espíritas, que a vida é única e eterna, na qual já
estamos há muito tempo, e o espírito transita nela ora na matéria, ora na
erraticidade, ou em matérias sutis, que ainda não compreendemos, mas é sempre a
mesma entidade individual criada por Deus à Sua imagem e semelhança.
De tudo o que foi analisado, concluímos que somos hoje o resultado do ontem e
estamos agora preparando o amanhã. Não há que adivinhar como será o corpo
futuro; basta observar como tratamos o corpo atual. As partes que estão sendo
mal usadas ficarão danificadas e estarão conosco quando voltarmos. Se
acreditamos realmente na reencarnação, e os espíritas afirmam que ela é a única
explicação para a diferença entre as pessoas, é preciso prepará-la
adequadamente, para não reclamar amanhã das mesmas dores que hoje nos causam
lamentações.
Os conceitos de Deus e Jesus são no Espiritismo diferentes dos de outras
doutrinas. Jesus é um dos filhos de Deus. Um entre os Cristos do Universo que
cuidam dos mundos. Não foi Deus que veio à Terra encarnado, mas Jesus, um dos
seus mais competentes auxiliares. Deus é o Pai, criador de todas as coisas que
existem no universo. Deus fez leis que são favoráveis à natureza como um todo.
Suas leis se observam nas pedras, nas plantas, nos bichos. Com mais razão podem
ser percebidas nos homens.
Muitas religiões dizem que o homem deve ser temente a Deus. O Espiritismo diz
que o homem deve ser temente a si mesmo. Não devemos ter medo de Deus, nem de
Jesus, nem de ninguém. Se tivermos a consciência tranqüila, estaremos em
harmonia com tudo e com todos. Se sofremos é porque desrespeitamos leis que nos são favoráveis, mas insistimos em transgredir.
Otávio Caúmo Serrano