Na Viagem Terrestre
Querida Mamãe:
Rogo à infinita Bondade fortalecer-nos.
Há quase dez anos, em me comunicando com a senhora, referi-me à nossa grande viagem no mar proceloso das provações terrestres.
Dez anos correm sobre nosso entendimento e a ventania sopra de rijo,
arrastando-nos o velho barco dos compromissos espirituais, sobre ondas
traiçoeiras e escuras...De quando a quando, agulhas contundentes de rochedos ocultos arrancam pedaços da nau em que viajamos. E creio que ainda não nos afastamos, um só dia, das preces ardentes, em que suplicamos, ao Céu, assistência e socorro para não sermos engolidas pelo abismo aos nossos pés.
Não venho, porém, recordar-lhe a viagem redentora para incliná-la ao pranto.
Venho, apenas, reafirmar - lhe que Jesus continua no leme da embarcação. Sinto,
não distante de nós, o porto da alegria e da segurança.
Ouço vozes confortadoras, na praia próxima.
Não choremos, pois, naquele ritmo de angustia acelerada que nos marcou as
lágrimas do princípio. Encorajemo-nos, adornando a nossa galera castigada pelo
temporal. Por muito lhe doam, ainda, as chagas abertas e por muito lhe torturem
as vigílias consecutivas e dolorosas, reafirme o seu bom ânimo; e continuaremos.
Eu sei que há muito navio embandeirado no cais, à maneira de castelos flutuantes
que nunca enfrentaram as águas. Sim, não perderam o aspecto festivo com que se
enfeitaram pela primeira vez. São jardins imóveis, desfrutando a serenidade
ilusória do mundo, porque, na realidade, nunca enfrentaram o mar largo e a
grande tormenta...
Sabemos também que, na peregrinação, há muitas ilhas, repletas de viajores que
se imobilizaram, temendo as cidades e as vicissitudes da marcha. Começaram a
travessia, mas foram vencidos pelo cansaço e repousam sobre a areia movediça dos
oásis que florescem na vastidão do imenso mar...
Entretanto, Mamãe, um dia, as embarcações preguiçosas e os viajantes enganados
serão constrangidos aos terríveis temporais das grandes renovações e, chegado
esse instante, chorarão a hora perdida, porque, apenas os viajantes
desassombrados alcançarão o mundo sublime da paz sem lágrimas.
E nós, por nossa vez, atingindo o objetivo que nos propomos abordar, exaltaremos
o sofrimento como quem agradece a um salvador a bênção do socorro com que se
lembrou de nós.
Se podemos, desse modo, rogar-lhe alguma coisa, imploramos sua coragem; coragem
que compreenda, acima dos próprios desejos, os soberanos desígnios de Deus,
dentro da Lei que nos rege.
Auxilie-nos, ainda e sempre.
Sua aflição é nossa aflição maior.
Rendemos graças a Jesus e osculamos suas mãos pela paciência com que a senhora
tem aceitado os golpes que nos impelem para diante, mas não se esqueça de que a
senhora ainda é a nossa instrutora e nossa amiga, nossa enfermeira e, sobretudo,
nossa Mãe.
Precisamos de sua força, como a criança necessita de arrimo; e contamos com a
sua desmedida abnegação em nosso favor.
Avancemos.
Dentro da noite, brilham estrelas.
E a alvorada é sempre nova, multiplicando as bênçãos divinas, em torno de nossos
pés.
Para que não desfalecesse na jornada, Cristo veio e ensinou-nos. Para que nos
conduzíssemos retamente no caminho, o Mestre desceu até nós e revelou-nos o amor
infinito.
Ah! Sem a manjedoura da simplicidade e do trabalho no começo da luta humana; e
sem a cruz do sacrifício e da renunciação no fim da estrada a percorrer, será
impossível vencer, na Terra, as teias constringentes da ilusão e os enganos
envenenados da morte.
Saibamos reerguer a esperança, cada dia, na convicção de que o tempo bem vivido
é o infalível condutor da vitória.
No cimo da senda, Jesus nos aguarda.
Além das trevas, fulgura a ressurreição. Depois da noite transitória, surge o
dia eterno.
Seja, pois, a fé viva o bordão que nos sustente e busquemos a comunhão com a paz
do Senhor, sem descansar.
Estamos satisfeitos com o seu estágio de refazimento junto de nossos amigos. A
devoção afetiva é um dos tesouros que não são consumidos na terra.
A amizade pura é uma flor que nunca fenece.
Meu abraço ao Papai.
Para todos os nossos, querida Mamãe, envio meus afetos e meus votos de bem estar
e, desejando à senhora tudo o que existe de sublime na Criação de Deus,
abraço-a, com carinho e com muito reconhecimento, a sua
Agar