Palavras de Um Batalhador
Meus amigos, peçamos, antes de tudo, a Nosso Senhor Jesus-Cristo nos ampare o trabalho.
Não pude furtar-me à alegria de visitá-los, ainda mesmo de escantilhão.
Grande é a nossa esperança, observando a plantação de luz a que se devotam.
Além disso, não posso esquecer que tenho aqui bons amigos, a começar pelo nosso Rocha1.
Meus caros, a surpresa dos espíritas, depois do túmulo, chega a ser
incomensurável, porque freqüentemente mobilizamos os valores de nossa fé com a
pretensão de quem se julga escolhido à frente do Senhor.
Aguardamos, para além da morte, uma felicidade que nem de longe, no mundo,
cogitamos de construir.
Somos aprendizes novos do Evangelho.
Isso é verdade.
Mas estamos sempre interessados em conduzir ao Cristo os nossos problemas,
completamente despreocupados quanto aos problemas do Cristo, a nosso respeito.
Buscamos nossa própria imagem no espelho da Graça Divina. Somos velhos Narcisos
encarcerados na própria ilusão.
E admitimos que não há dores maiores que as nossas e que as nossas necessidades
superam as necessidades dos outros.
Por esse motivo, o tempo estreito de permanência no corpo carnal apenas nos
favorece, na maioria das vezes, mais densa petrificação de egoísmo, na concha de
nossa antiga vaidade.
Somos leitores de livros admiráveis.
Comovemo-nos e choramos, ante os valores iluminativos com que somos agraciados,
entretanto, depois do contacto com o pensamento sublime de nossos orientadores,
eis-nos arrojados ao esquecimento de todos os dias, como se padecêssemos
irremediável amnésia, diante de tudo o que se refira às nossas obrigações para
com Jesus.
Em nossas casas doutrinárias, intensificamos disputas em torno da direção
humana, magnetizados pelos aspectos menos dignos da luta que fomos chamados a
desenvolver e, muitas vezes, no intercâmbio com os nossos irmãos tresmalhados na
sombra, martelamos preciosas lições de caridade e fé viva, compreensão e
tolerância, olvidando que os chamados espíritos sofredores», em muitas ocasiões,
são trazidos até nós por vanguardeiros da Luz Divina, interessados em nossa
renovação, enquanto há “melhor tempo”.
Ai de nós, porém!...
Dos conflitos inadequados em nossos templos de fé, somente recolhemos frutos
amargos, e das mensagens pontilhadas de aflição, que guardam o objetivo de
reabilitar-nos para o Senhor, apenas retiramos impressões negativas, de vez que
nos movimentamos no círculo de nossas responsabilidades, crendo-nos na condição
de cooperadores vitoriosos, quando, no fundo, perante os Benfeitores da
Espiritualidade Superior, somos simplesmente companheiros em perigo, com imensas
dificuldades para satisfazer ao próprio reajuste.
Estejam vocês convencidos de que para nós, os espíritas desencarnados, há uma
tarefa espantosa, com a qual não contávamos.
Por mais estranho nos pareça, somos geralmente situados em serviços de
orientação, junto aos companheiros que ficaram.
Espíritas com espíritas, como irmãos enlaçados no mesmo dever a cumprir.
Alijados do corpo, contudo, é que vemos quão difícil se faz o concurso eficiente
aos corações cerrados à luz e quão sacrificial se nos revela o socorro a doentes
que não se interessam pela própria cura!
Identificamos, então, o princípio de correspondência. Colocados na posição
daqueles que anteriormente nos dirigiam, reconhecemos quanta impermeabilidade
oferecíamos, no mundo, aos que nos acompanhavam abnegadamente de perto.
Tão logo descerrei os olhos, ante o esplendor da verdade, encontrei nosso velho
amigo Senra2, notificando-me, bem-humorado:
— Cícero, agora é o seu tempo de experimentar o novo trabalho que vive em nossas
mãos...
E, desde essa hora, eu que retinha a veleidade de condutor, embora a insipiência
do aprendiz de Evangelho que ainda sou, comecei a entender alguma coisa do
serviço gigantesco que nos compete impulsionar para a frente.
Afeiçoados à nova máquina de ação, sofremos o cuidado de não trair a harmonia.
Porque é preciso equilibrar nossos passos, a fim de orientar com segurança os
passos alheios, disciplinar-nos dentro das responsabilidades que abraçamos para
não ameaçar o trabalho daqueles que nos cercam.
Ouvir mais.
Fazer mais.
E falar menos.
Difícil é suportar na cabeça o título de servidor da Boa-Nova, que, entre os
homens, pode ser uma palma florida, mas que se converte aqui em coroa de fogo,
tal a preocupação com que nos cabe aprender a auxiliar e a renunciar para que o
carro de nossos princípios avance sobre os trilhos da ordem.
Registrando-nos a experiência, esperamos que vocês venham mais tarde para cá
movimentando melhores recursos.
Reconheço que há muito ainda a dizer.
Entretanto, o horário está a esgotar-se.
Conosco, temos outros irmãos que lhes deixam afetuosa visita.
Nossos amigos Hanriot, Mata Simplício e ainda o nosso Efigênio3 partilham-nos a
oração.
Todos agora padecemos o mesmo mal — o inquietante privilégio de colaborar numa
realização, cuja magnitude efetivamente nos esmaga.
Façamos o melhor de nossa parte, na convicção de que o Senhor não nos desampara.
E, agradecendo a satisfação desta hora, deixo aos queridos companheiros o meu coração reconhecido.
Cícero Pereira