Dos Animais aos Meninos
Meu pequeno amigo:
Ouça.
Não nos faça mal, nem nos suponha seus adversários.
Somos imensa classe de servidores da Natureza e criaturas igualmente de Deus.
Cuidamos da sementeira para que lhe não falte o pão, ainda que muitos de nossa família, por ignorância, ataquem os grelos tenros da verdura e das árvores, devorando germens e flores. Somos nós, porém, que, na maioria das vezes, garantimos o adubo às plantações e defendemo-las contra os companheiros daninhos.
Se você perseguir-nos, sem comiseração por nossas fraquezas, quem lhe suprirá o
lar de leite e ovos?
Não temos paz em nossas furnas e ninhos, obrigados que estamos a socorrer as
necessidades dos homens.
Você já notou o pastor, orientando-nos cuidadosamente? Julgávamo-lo, noutro
tempo, um protetor incondicional que nos salvava do perigo por amor e
lambíamo-lhe as mãos, reconhecidamente. Descobrimos, afinal, que sempre nos
guiava, ao fim de algum tempo, até ao matadouro, entregando-nos a impiedosos
carrascos. Às vezes, conseguíamos escapar por momentos, tornando até ele,
suplicando ajuda, e víamos desiludidos que ele mesmo auxiliava o verdugo a
enterrar-nos o cutelo pela garganta a dentro.
A princípio, revoltamo-nos. Compreendemos, depois, que os homens exigiam nossa
carne e resignamo-nos, esperando no Supremo Criador que tudo vê.
As donas-de-casa que comumente nos chamam, gentis, através de currais, pocilgas
e galinheiros, conquistam-nos a amizade e a confiança, para, em seguida, nos
decretarem a morte, arrastando-nos espantados e semivivos à água fervente.
Não nos rebelamos. Sabemos que há um Pai bondoso e justo, observando-nos,
decerto, os padecimentos e humilhações, apreciando-nos os sacrifícios.
De qualquer modo, todavia, estamos inseguros em toda parte. Ignoramos se hoje
mesmo seremos compelidos a abandonar nossos filhinhos em lágrimas ou a
separar-nos dos pais queridos, a fim de atendermos à refeição de alguém.
Por que motivo, então, se lembrará você de apedrejar-nos sem piedade?
Não nos maltrate, bom amigo.
Ajude-nos a produzir para o bem.
Você ainda é pequeno e, por isto mesmo, ainda não pode haver adquirindo o gosto
de matar. Não é justo, assim, colocarmo-nos de mãos postas, ante o seu olhar bondoso, esperando de seu coração aquele amor sublime que Jesus nos ensinou?
Néio Lúcio