É Melhor não Ir
Era médium vidente.
Identificava, freqüentemente, junto de si, simpático espírito.
Dizia ser seu protetor.
Habituara-se a consultá-lo. Em princípio, a respeito de questões doutrinárias; depois, problemas pessoais; finalmente, a pretexto de qualquer assunto.
Quando adquiriu um automóvel, motorista inexperiente, incorporou a ajuda do acompanhante espiritual a partir de sua indecisão, num cruzamento movimentado. Ouviu do resoluto mentor:
- Vai que dá! - Ficou feliz. Tinha agora eficiente "co-piloto". Em qualquer
dificuldade no trânsito aguardava o sinal verde:
- Vai que dá!
Ficou tão animado que logo se dispôs ganhar a estrada.
E dirigia tranqüilo, confiante no guardião : do Além.
Em dado momento, no alto de uma encosta, avistou enorme caminhão que iniciava a
descida do outro lado, em alta velocidade. Lá embaixo havia ponte estreita, com
passagem para um veículo apenas.
Nosso herói vacilou. Daria tempo para cruzá-la, antes da chegada do caminhão?
O mentor veio em seu socorro:
- Vai que dá!
Animado, o motorista neófito pisou o acelerador e desceu a encosta, imprimindo
velocidade ao veículo.
No entanto, ao entrar na ponte, viu que o mesmo fazia o caminhão, do outro lado!
Choque frontal inevitável! Conseqüências catastróficas! Desses acidentes em que
se costuma dizer que "não escapou nem a alma do motorista".
O médium arregalou os olhos, apavorado, enquanto o mentor, a seu lado,
murmurando desolado:
- Xii!... Acho que não vai dar, não! ora apenas um palpite! Errado!
* * *
Essa história está em meu livro "Atravessando a Rua ", publicado pelo Instituto
de Divulgação Espírita, o IDE, de Araras.
Ilustra problemas relacionados com velha tendência humana:
Imaginar os espíritos como oráculos infalíveis, detentores de todo saber e
protetores perfeitos, capazes de todos os prodígios.
Infelizmente, dirigentes desavisados estimulam essa tendência, transformando os
Centros Espíritas em gabinetes de consulta, envolvendo médiuns sem disciplina e
orientadores sem orientação.
Esqueceram, ou pior, talvez nunca tenham atentado à sábia observação de Kardec,
contida em "Obras Póstumas", segunda parte, quando fala de seus contatos
iniciais com a Espiritualidade:
"Um dos primeiros resultados que colhi das minhas observações foi de que os
espíritos, nada mais sendo do que as almas dos homens, não possuíam nem a plena
sabedoria, nem a ciência integral; que o saber de que dispunham se circunscrevia
ao grau que haviam alcançado, de adiantamento, e que a opinião deles só tinha o
valor de uma opinião pessoal.
Reconhecida desde o princípio, esta verdade me preservou do grave escolho de
crer na infabilidade dos espíritos e me impediu de formular teorias prematuras,
tendo por base o que fora dito por um ou alguns deles".
Oportuno lembrar, também, a incisiva recomendação do espírito Erasto, no
capítulo XX de "O livro dos Médiuns", reportando-se aos cuidados a serem
observados por aqueles que se dispõem ao intercâmbio com o Além:
Observe, portanto, o prezado leitor:
"Na dúvida, abstém-se, diz um dos vossos velhos provérbios. Não admitais,
portanto, senão o que seja aos vossos olhos, de manifesta evidência. Desde que
uma opinião nova venha a ser expendida, por pouco que vos pareça duvidosa,
fazei-a passar pelo crivo da razão e da lógica e rejeitai desassombradamente o
que a razão e o bom senso reprovarem.
Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade...".
O exercício mediúnico preconizado pela Doutrina Espírita está alicerçado em
disciplinas muito seguras, que, observadas, nos permitem um contato produtivo e
proveitoso com o Além.
Esse intercâmbio é de valor inestimável!
Ele nos familiariza com a vida além-túmulo, dando-nos noção do que nos espera, a
fim de que a morte não nos imponha penosas surpresas.
Mas é preciso discernimento, tendo sempre presente que os espíritos do tipo "vai
que dá", só conseguem "pôr as mangas de fora" onde, contrariando a orientação da
Doutrina, o estudo, a disciplina e o discernimento ainda não chegaram.
Nesses grupos, é bom não ir.
Richard Simonetti