Pedra Principal

Allan Kardec, aquele que foi considerado o “bom senso encarnado”, sempre nos apresenta o resultado de suas sábias reflexões em torno dos estudos espíritas. Na Revista Espírita*, edição de fevereiro de 1859, em matéria com o título Os Agêneres, e referindo-se aos fenômenos produzidos pelos espíritos, afirma: “(...) esses fenômenos estão submetidos a condições que saem do círculo habitual de nossas observações; é preciso, sobretudo, não perder de vista esse princípio essencial, verdadeira pedra principal da ciência espírita; é que o agente dos fenômenos vulgares é uma força física, material, que pode ser submetida às leis do cálculo, ao passo que nos fenômenos espíritas esse agente é constantemente uma inteligência que tem sua vontade própria, e que não podemos submeter aos nossos caprichos. (...)”.
Observemos que Kardec cita o princípio da vontade própria e independente dos espíritos como a pedra principal da ciência espírita. Sim, porque estaremos trabalhando com seres individuais, de mentalidade e experiências emocionais e intelectuais próprias, e nunca com objetos que podem ser manipulados. Este detalhe é fundamental para a pesquisa, a experiência e o estudo espírita.
Willian Crookes (1), o notável cientista inglês, procurado pela médium Florence Cook (2), entregou-se vivamente a sérias pesquisas no âmbito das materializações do Espírito Katie King e comprovou cientificamente a existência e comunicabilidade dos espíritos. Homem de ciência, muito respeitado em sua época e contemporâneo de uma safra de nobres homens de ciência e suas notáveis descobertas que mudaram a história da humanidade, teve a coragem de publicar os resultados de suas pesquisas, tornando-se aquele com o qual “... a pesquisa psíquica começa, na História... “, conforme a ele se refere o Prof. Charles Richet no livro Trinta anos entre os mortos, em transcrição utilizada por Wallace Leal V. Rodrigues em seu livro Katie King (3).
Estas considerações todas, inclusive o brevíssimo resumo histórico do parágrafo anterior, das célebres materializações do Espírito Katie King, que por três anos submeteu-se aos métodos científicos empregados por Crookes, introduzem-nos no empolgante tema das pesquisas no campo da ciência espírita.
Embora o tema agênere seja diferente de materialização, nas diversas manifestações promovidas pelos espíritos, o princípio acima citado vale para todos: nos fenômenos espíritas, esse agente é constantemente uma inteligência que tem sua vontade própria, e que não podemos submeter aos nossos caprichos. Materializações, psicofonia, psicografia e tantos outros fenômenos possíveis através da atuação dos espíritos pela mediunidade, além da própria força anímica de todo ser humano, é assunto da ciência espírita. E aí perguntamos: por que o aspecto científico do Espiritismo está tão esquecido? No passado referido aspecto foi vivamente estudado, alvo de sérias atenções e agora o campo da pesquisa espírita está um tanto esquecido. Não é o momento de retomada destas pesquisas? Em que área? Com que critérios? Onde? Com quem? Eis tema para pesquisadores e estudiosos retomarem, através de abordagens acessíveis ao grande público.
Aos homens de ciência, propriamente ditos, fica o convite da colaboração espontânea no sentido de transformar em linguagem acessível o vasto campo metodológico da pesquisa para que todos tenham acesso à compreensão dos mecanismos desses fenômenos, que são naturais, e explicam o que o Espiritismo já ensina há 150 anos.
O essencial, todavia, está nesta advertência de Kardec, para médiuns e pesquisadores: “(...) O mérito não está, pois, na posse da faculdade medianímica, que pode ser dada a todo o mundo, mas no uso que dela se pode dar; aí está uma distinção capital que é preciso jamais perder de vista: a bondade do médium não está na facilidade das comunicações, mas unicamente em sua aptidão em não recebê-las senão as boas; ora, é aí que as condições morais, nas quais se encontra, são onipotentes; também aí se encontram, para ele, os maiores escolhos. (...) é preciso se reportar a esse princípio fundamental, que entre os Espíritos os há de todos os graus em bem e em mal, em ciência e ignorância (...) Os Espíritos que nos cercam não são passivos; é um povo essencialmente movimentado, que pensa e age sem cessar, que nos influencia com o nosso desconhecimento, que nos excita ou nos dissuade, que nos impele ao bem ou ao mal (...)” (4).
Eis o que nunca podemos perder de vista, que permito-me transcrever novamente: Os Espíritos que nos cercam não são passivos; é um povo essencialmente movimentado, que pensa e age sem cessar, que nos influencia com o nosso desconhecimento, que nos excita ou nos dissuade, que nos impele ao bem ou ao mal.


*tradução de Salvador Gentille, edição IDE-Araras-SP.

(1) Willian Crookes nasceu em 17 de junho de 1832 e desencarnou em 4 de abril de 1919; foi químico e físico inglês, publicou diversas obras de sua área de pesquisas. Em 1861 descobriu e estudou o Talium, inventou posteriormente um novo método para separar o ouro e a prata de seu mineral, por meio do sodium.
(2) Florence era jovem de apenas 15 anos e sua potencialidade mediúnica permitiu anos de pesquisa na área de materializações; submeteu-se humildemente aos critérios científicos de observação dos fenômenos que se produziam por seu intermédio.
(3) Edição da Casa Editora O Clarim, atualmente esgotada.
(4) Revista Espírita de fevereiro de 1859, na matéria Escolhos dos Médiuns.

Matéria publicada originariamente no jornal O Clarim,de outubro de 2005.


Orson Carrara