Sobre o Carnaval
Nenhum espírito equilibrado em face do bom senso, que deve presidir a
existência das criaturas, pode fazer a apologia da loucura generalizada que adormece as consciências, nas festas carnavalescas.
É lamentável que, na época atual, quando os conhecimentos novos felicitam a mentalidade humana, fornecendo-lhe a chave maravilhosa dos seus elevados destinos, descerrando-lhe as belezas e os objetivos sagrados da Vida, se verifiquem excessos dessa natureza entre as sociedades que se pavoneiam com o título de civilização.
Enquanto os trabalhos e as dores abençoadas, geralmente incompreendidos pelos
homens, lhes burilam o caráter e os sentimentos, prodigalizando-lhes os
benefícios inapreciáveis do progresso espiritual, a licenciosidade desses dias
prejudiciais opera, nas almas indecisas e necessitadas do amparo moral dos
outros espíritos mais esclarecidos, a revivescência de animalidades que só os
longos aprendizados fazem desaparecer.
Há nesses momentos de indisciplina sentimental o largo acesso das forças da
treva nos corações e, às vezes, toda uma existência não basta para realizar os
reparos precisos de uma hora de insânia e de esquecimento do dever.
Enquanto há miseráveis que estendem as mãos súplices, cheios de necessidade e de
fome, sobram as fartas contribuições para que os salões se enfeitem e se
intensifiquem o olvido de obrigações sagradas por parte das almas cuja evolução
depende do cumprimento austero dos deveres sociais e divinos.
Ação altamente meritória seria a de empregar todas as verbas consumidas em
semelhantes festejos, na assistência social aos necessitados de um pão e de um
carinho.
Ao lado dos mascarados da pseudo-alegria, passam os leprosos, os cegos, as
crianças abandonadas, as mães aflitas e sofredoras. Por que protelar essa ação
necessária das forças conjuntas dos que se preocupam com os problemas nobres da
vida, a fim de que se transforme o supérfluo na migalha abençoada de pão e de
carinho que será a esperança dos que choram e sofrem? Que os nossos irmãos
espíritas compreendam semelhantes objetivos de nossas despretenciosas opiniões,
colaborando conosco, dentro das suas possibilidades, para que possamos
reconstruir e reedificar os costumes para o bem de todas as almas.
É incontestável que a sociedade pode, com o seu livre-arbítrio coletivo, exibir
superfluidades e luxos nababescos, mas, enquanto houver um mendigo abandonado
junto de seu fastígio e de sua grandeza, ela só poderá fornecer com isso um eloqüente atestado de sua miséria moral.
Emmanuel