As Coisas que São de Cima
Quando Paulo de Tarso aconselhou em uma das suas cartas que pensássemos nas
coisas que são de cima, e não nas que são debaixo, não quis, logicamente,
afirmar que as coisas que são de cima devem ser as únicas a nos preocupar. O
próprio conceito de cima e debaixo é contestável, pois, o que está acima agora,
estará em baixo daqui a 12 horas.
Se considerarmos a sua afirmação como figurativa, poderemos deduzir o de cima
como plano superior, portanto, feliz, importante para o espírito. Em
contrapartida, as coisas que são de baixo são importantes para o homem enquanto
ser encarnado.
O problema está nos valores absolutos. Se considerarmos tão somente as coisas
que são de cima, como conquistar aquelas de que precisamos para viver? Está aí o
nó da questão, porque o homem de modo quase geral, não se preocupa apenas com o
que precisa para viver, mas leva ao exagero tudo aquilo que acha que lhe é
necessário. Ele quer muito dinheiro, muitas propriedades, roupas, jóias, carros
luxuosos e sobretudo muito poder. Seriam essas coisas condenáveis? Não! Desde
que não sejamos escravizados, possuídos por elas. Se ao invés de possuirmos,
formos possuídos, o mal será muito grande. No entanto, desde que não nos
apeguemos como crustáceos ao casco apodrecidos de alguma embarcação, poderemos
possuí-las sem receio, pois no momento de abandoná-las, as deixaremos para traz,
sem maiores traumas.
Os avarentos, os sovinas, os sensualistas, enfim todos aqueles que se apegam aos
bens materiais com volúpia, quando comparecem a um funeral estão na papel a que
se referiu Jesus de Nazaré, ao afirmar: DEIXAI AOS MORTOS O TRABALHO DE ENTERRAR
OS MORTOS, pois não passam de cadáveres que pensam.
Precisamos das coisas que são de baixo para viver aqui na Terra, e elas estão
representadas pela trave horizontal da Cruz, símbolo do Cristianismo. Quando
conquistamos as coisas materiais com honestidade, sem apego excessivo, estamos
exercendo um direito.
Indubitavelmente precisamos das coisas que são de cima, até para suportarmos as
dificuldades daqui de baixo, e elas estão representadas, por sua vez, pela trave
vertical da cruz do Cristo, e estão figuradas pelos anseios de espiritualidade,
pela fé, pelas orações, pela procura de Deus.
A trave vertical da cruz equipara-se a uma lança apontando para o céu. Lá em
cima estão as estrelas. Aqueles que tem olhos de ver e ouvidos de ouvir,
despregam-se do chão do planeta e viajam por entre os astros, ouvindo um
gigantesco coro de vozes, cânticos de amor de imensos astros a rolar em
espantosa velocidade pelo espaço infinito.
O homem que venceu muitas etapas, o homem que já foi profano, amando
desmesuradamente o mundo, e que também já foi místico e odiou o mundo com todas
as suas forças, mas que atualizou as suas potencialidades, cristificou-se, abre
os braços e deixa-se crucificar, em holocausto aos seus deveres, e mais do que
isto, ao seu querer consciente.
Entretanto, como Jesus de Nazaré, ele abre os braços e deixa-se imolar com os
cravos da ignorância; deixa-se pregar na cruz para alçar o grande vôo para
liberdade. Mas como Jesus de Nazaré, permanece de braços abertos para receber os
que o amam, os que querem ficar para dividir alegrias e tristezas, porém seus
braços continuam abertos para aqueles que desejarem ir-se embora.
As coisas que são de cima fascinam os homens cósmicos, mas seus pés continuam
firmemente pousados no chão do planeta, pois são esses os caminhos que devem
trilhar, pois muitos deles, verdadeiras almas búdicas, deixaram o “nirvana” e
vieram andar pelos caminhos do nosso mundo, marcando o solo com o pó de estrelas
que se soltam das suas sandálias. Guarde a paz.
Amilcar del Chiaro Filho