Humanização na Seara Espírita
Expositores espíritas inspirados, que sensibilizam mentes e
corações, derrapam, impacientes e raivosos, em pequenos incidentes de
imprudência no trânsito das vias públicas, cinco minutos depois de deixar a
tribuna espírita.
Sorrisos, abraços festivos, alegria e afeto efusivos dos encontros doutrinários
arrefecem-se, inesperada e incompreensivelmente, alguns minutos depois, quando
ficamos a sós com as mesmas pessoas antes entusiasmadas.
Lidadores valorosos embrenham-se no cipoal de suas “folhas de vivências”
doutrinárias, alienando-se do contato salutar e espontâneo, aguardando dos
outros o aceno de idolatria ou de cordialidade que todos lhe devem, segundo sua
interpretação, ante o pedestal de experiências, enquanto, tal colaborador, muita
vez, não encontra motivação para emitir um essencial “bom dia” ao deparar-se nos
ambientes sociais com alguém de seu grupamento.
Pais distribuem alimentos e carinho aos sofredores sociais em magnífica pose de
caridosos, no entanto, meia hora depois, no lar, são impotentes para beijar os
seus próprios filhos com ternura. Tais atitudes que integram o cotidiano de nós,
os espiritistas, merece uma avaliação oportuna.
Almas mais sensíveis, perante esse episódio de repentina transformação de
postura afetiva, não conseguindo entender suas causas, atribuem à hipocrisia,
incoerência e deseducação esse fenômeno comportamental.
Observa-se claramente, nos exemplos acima discriminados, uma lamentável
defasagem entre a presença do obreiro espírita nos seus ambientes de
espiritualização e suas lutas diuturnas além fronteiras do Centro Espírita.
Qual será a razão dessa alteração afetiva indesejável?
Que tem faltado ao aprendiz espírita para transportar ao seu convívio social
esses momentos de enlevo emocional desfrutados junto aos grêmios cristãos?
Não estaríamos, ante tais circunstâncias, vivenciando um “afeto artificial” ou
um “pseudo-afeto” dentro dos ambientes doutrinários?
O que nos leva a essas mudanças súbitas de estado emocional?
As leiras de relacionamento espírita ensejam melhores expressões do afeto em
razão da ausência de fatores sociais coercitivos que distanciam os homens. Seu
caráter voluntário e não proibitivo suscita a boa-vontade e a espontaneidade,
levando as criaturas a sentirem-se bem aceitas na sua colaboração, criando um
clima para relações agradáveis e benfazejas.
Todavia, essa não é a realidade da sociedade escravizada por relações de
conveniência, nas quais o interesse pessoal e grupal definem seu códigos de
comunicação, sua linguagem e sua praxi. Assim fica o aprendiz espírita com largo
e intransferível desafio íntimo de saber como transportar, para semelhantes
quadros de suas experiências, as “boas novas” que vem fruindo no contato com as
tarefas doutrinárias.
Quando elegemos a humanização na seara espírita não avocamos somente a
proposição de sermos mais afetivos. Tratamos sim de uma releitura sobre o foco
dos objetivos assinalados para desempenho junto aos grêmios espíritas cristãos.
Hoje destaca-se o Centro Espírita com Escola de Espiritismo, quando o futuro
acena para que ele se promova à condição de Escola do Espírito.
Tais terminologias podem aparentemente significar a mesma coisa, no entanto,
existe uma ontologia, uma razão de ser em tais perspectivas que define posturas
e propostas bem diversas. Como Escola de Espiritismo, em muitos casos, os
conteúdos doutrinários são mais valorizados que o homem, enquanto o foco na
Escola do Espírito converge as finalidades da agremiação para o “ser”, ou seja,
sobre a complexidade existencial da criatura, suas necessidades, seus valores,
suas habilidades.
Precisamos promover a casa espírita de mera escola de estudos sistematizados e
planejados para um Centro de Convivência e Treinamento para Desenvolvimento dos
Traços Morais da Regeneração.
Ensinar Espiritismo sem auxiliar o Espírito a tornar-se um ser integral pode
apenas significar transmissão de conteúdos, informação, conhecimento. Para isso,
os ambientes de Amor e estudo espíritas haverão de transformar-se pelo jejum da
indiferença e pela oração do afeto vivido. A pedagogia do afeto na educação do
Espírito tem regime de urgência. Ampliemos o raio de influência do Espiritismo
em nós dilatando suas concepções para além do cérebro, atingindo o sagrado
templo do coração. Espiritismo na inteligência é informação; Espiritismo no
sentimento é transformação.
Quando falamos em humanização, referimo-nos à contextualização, que é oferecer
aos profitentes espíritas os instrumentos para que possam fazer dessa informação
espírita a sua transformação espiritual. Conhecimento no cérebro quando é
contextualizado tem o nome de saber. E saber, em outras palavras, quer dizer
aprender as respostas e os caminhos para desenvolver seus potenciais e daqueles
que nos rodeiam. O saber é o conhecimento intelectivo que foi absorvido pelo
coração.
Contextualizar, portanto, é humanizar a seara. Para contextualizar oferecendo
condições aos nossos irmãos de obterem sua paz e suas “respostas Divinas”,
precisamos rever esse foco da missão do Centro Espírita, evitando que se torne
um lugar de “bancos frios” nos quais assentem “alunos” com largos cabedais
intelectuais sobre a novel doutrina, mas com franca inabilidade para se amarem e
transportarem esse Amor ao mundo social em que estagiam.
Contextualizar é descobrir horizontes, respostas, caminhos. É construir o saber
espírita através do autoconhecimento, descerrando para si mesmo os enigmas da
existência.
Podemos questionar qual utilidade terá para nós o aprofundamento nas
encantadoras temáticas espíritas se, muitas vezes, em anda ou quase nada tais
temáticas estão auxiliando-nos a sermos homens e mulheres de bem, escondendo a
vida afetiva onde pulsamos com a nossa mais profunda realidade!
Preparados desde o berço para o sucesso material, raras vezes recebemos “aulas”
sobre o Amor. Fomos treinados socialmente para esconder os sentimentos, camuflar
as emoções. A educação afetiva, portanto, é o grande desafio no capitulo da
transformação interior do “ser”. Ocorre, em verdade, que os seres humanos não
estão preparados para serem “humanos”.
O século XXI será o tempo das habilidades pessoais, dilatando os valores humanos
em contraposição ao século XX, que foi o período das habilidades técnicas e
mecanicistas. Sigamos os rumos apresentados pela UNESCO, que estabeleceu os
quatro pilares da educação para o século XXI em
Aprender a ser;
Aprender a fazer;
Aprender a conviver;
Aprender a conhecer.
E empreendamos uma nova era para nossas casas de amor definindo-as como lar
espiritual para formação da família universal.
Uma nova e promissora vereda desponta-se na vida daqueles que fruem o ambiente
do Centro Espírita. Na casa de Jesus e Kardec o Amor é a lição primeira, e as
relações abrem-se para o afeto. Não estando regulado por rígidas hierarquias,
nem sob a tutela do frio institucionalismo, a casa espírita apresenta-se como
escola social das relações sinceras e duradouras, verdadeiro núcleo de
treinamento da convivência regenerativa. Nossa grande meta é o desenvolvimento
da afabilidade e doçura nos corações, empreendendo uma campanha promissora por
novas vivências nas agremiações espíritas, ricas de humanismo, nas quais acima
de quaisquer fatores coloque-se sempre o homem em primeiro plano.
O amor, enquanto sentimento sublime, não carece aprendizado, está ínsito e
abundante na alma humana. O mesmo não ocorre com a atitude amorosa, que torna
imprescindível o estudo e o hábito. Saber externar esse sentimento dignificante
na convivência exige equilíbrio, autoconhecimento, esforço reeducativo das
tendências, desejo de melhorar-se e um ambiente que estimule a busca de
semelhantes conquistas. E qual ambiente oferece tanto quanto os Centros
Doutrinários? Qual grupamento instiga tanto a melhoria pessoal e íntima quanto
as agremiações dirigidas sob as diretrizes de Jesus e Kardec?
Obviamente, quando proclamamos a necessidade de uma campanha pró humanização nas
leiras de serviço espírita-cristão é, tão somente, no sentido de um maior denodo
em investimentos e iniciativas que ofereçam a seus profitentes melhores
condições de entendimento e convivência em favor de uma fixação definitiva do
caráter humanitário, já latente nos núcleos de tarefa.
Falta-nos emprenhar com maior ostensividade e consciência no trabalho de
arregimentação de relacionamentos de maior profundidade afetiva pela saúde de
nosso conviver.
As organizações e suas tarefas têm vida própria. Elas são aquilo que dela fazem
seus integrantes. Razão pela qual a permuta relacional é a essência das
instituições nas quais fazem parte todos os valores e limites do ser humano. Não
é assim razoável desconsiderar ou mesmo tratar com indiferença a vida emocional
desse intercâmbio, a fim de não alimentarmos ainda mais a ação mecânica e
destituída de afeto e estímulo, consumindo os ideais superiores de muitos
corações que ingressam nas fileiras do de labor, sem permitir que “o encanto do
Amor” e a alegria da amizade faça parte desse concerto de espiritualidade e
crescimento pessoal.
Empenhemo-nos em estabelecer estudos, cursos, técnicas, jogos educativos e
reciclagens contínuas junto aos grupos que dirigimos, objetivando mais
humanização e menos institucionalização.
Igualmente, no campo individual, cada qual reconheça que humanizar é dar de si e
não apenas aguardar as atenções alheias, guardando elevadas expectativas para
com os outros.
Enquanto dirigentes, invistamos na melhoria das condições da vida interpessoal
do grupo, elaborando programas saudáveis de convívio familiar e dilatemos os
conhecimentos dos tarefeiros sobre a vida de relações, tratando temáticas
específicas e adequadas às necessidades e demandas apresentadas na rotina das
atividades.
Enquanto partícipes das sociedades doutrinárias, busquemos construir esse espaço
de renovação para cada um de nós, oferecendo nossa cordialidade, ternura,
atenção e carinho para os companheiros, enriquecendo os relacionamentos afins e
dilatando as possibilidades de crescimento junto ao menos afins.
Um programa permanente, do individual ao coletivo, trará frutos auspiciosos
tornando motivante a convivência. Esse é o piso elementar para que as
responsabilidades assumidas no trabalho obtenham um melhor resultado e
desempenho das capacidades e talentos individuais, reforçando o Centro Espírita
à condição de ambiente cristão, mas acrescido da garantia insubstituível que faz
do Cristianismo algo essencialmente celeste e universal: seu caráter
humanitário, único capaz de promover o progresso dos homens em razão de preparar
seu profitente para ser uma “carta viva” da paz e do amor, em plena sociedade de
homens atormentados.
Ermance Dufaux