Corpo e Alma
Cuidar do corpo e da alma, eis o dever de todo Espírito reencarnado, perante
as leis divinas.
O corpo físico, instrumento de extraordinária valia, indispensável à atuação
permanente do Espírito nos mundos materiais como o nosso, de que forma deve ser
encarado, sob a luz da Doutrina dos Espíritos?
Na sua ignorância manifesta a respeito da lei natural ou divina, o homem tem
negligenciado, sob muitos aspectos, as obrigações que lhe cabem no uso desse
instrumento precioso, ”o filtro vivo de nossa alma”, na expressão de Emmanuel.
Nele e com ele, o Espírito experimenta as provações, passa pelos resgates, vive
alegrias e tristezas, aprende a aceitar doenças e mutilações, e com elas
conviver. Aperfeiçoa-se, reeduca-se, cresce em sentimentos nobres, ou se
compromete na negação e no mal.
Trata-o ora com desprezo, abusando de suas potencialidades, ora com excesso de
zelo, como se fosse simples objeto de adorno.
No entanto, quando compreendida em seu sentido transcendente, a vida do homem na
Terra, seu instrumento corporal participa mais da natureza de m empréstimo
divino que propriamente de uma propriedade individual, da qual se possa dispor
sem presta contas.
Não deveria apegar-se desvairadamente a ele, compreendendo seu desgaste, seu
envelhecimento e submissão às leis da vida física, como ocorre com todos os
seres vivos.
A incompreensão das finalidades da vida material e o excesso de vaidade têm
levado milhões de homens e mulheres, em gerações que se sucedem, ao narcisismo
corporal, em detrimento do equilíbrio que deve existir no liame copo-alma.
De outra parte, por ignorância das leis que presidem à evolução dos seres,
numeroso contingente de criaturas humanas, visando a alcançar a felicidade
futura, em outra vida, entrega-se a toda sorte de macerações, sacrifícios
corporais voluntários e privações, retirando-se do convívio do mundo, evitando
as lutas redentoras e isolando-se das dificuldades naturais da vida na procura
da salvação egoística da alma, através de meios inadequados.
Excessos de alimentação, desregramentos lamentáveis da sexualidade, viciações
transformadas em hábitos degradantes e prejudiciais à saúde física e mental,
tais o uso do fumo, do álcool e das drogas, são flagelos corporais com reflexos
no Espírito, venenos agindo lentamente, consentidos ou impostos, inadvertida ou
conscientemente.
Muitos esquecem ou se descuidam dos deveres elementares de higiene pessoal e da
limpeza do corpo, dos banhos de água e de sol e do ar puro que equilibram a
saúde.
A natureza traçou ao homem os limites do necessário na manutenção do equilíbrio
em tudo o que se relaciona com seu corpo. O instinto, aliado à observação e à
inteligência de cada um estabelece as lindes além das quais o indivíduo torna-se
responsável pelo excesso, supérfluo e prejudicial.
Ultrapassando os limites impostos pela natureza, com a preocupação dos gozos
exagerados, muitas vezes o homem se coloca em situação inferior à dos
irracionais, cujos instintos servem para guiá-los nas necessidades da vida.
Ocorre ainda, nos mundos moralmente atrasados, como a Terra, um fenômeno que põe
à mostra a falta de senso de justiça e solidariedade, ao lado de profundo
egoísmo de seus habitantes: a desigualdade de bens, de meios e de oportunidades.
Enquanto muitos se entregam aos excessos e ao supérfluo, no gozo dos bens
destinados à sustentação da vida material, inúmeras coletividades, milhões de
indivíduos estão em estado de carência, sujeitos à fome, à falta de água, de
medicamentos, de habitação, de transporte, numa triste situação de miséria.
Esse terrível quadro social espalhado por todas as nações do Globo, m maior ou
menor escala, dir-se-ia, foge ao controle individual, para situar-se no plano
dos problemas sociais coletivos. Assim é, realmente. O problema ultrapassa o
terreno individual para tornar-se responsabilidade de todos.
Nele vemos claramente a necessidade de solidariedade, da compreensão humana, da
caridade, do amor, partindo de cada ser para compor a vontade coletiva.
Só haverá soluções justas e adequadas quando as sociedades humanas tornarem-se
menos egoístas e indiferentes, quando os bem-aquinhoados interessarem-se pelo
auxílio aos mais necessitados, proporcionando-lhes os meios de trabalho, de
produção e de reeducação capazes de soerguê-los da situação deprimente.
“Nem só de pão vive o homem.”Nesse ensino de Jesus distingue-se perfeitamente os
cuidados devidos ao corpo, que não podem ser postergados, mas que não devem ser
elevados à condição de sacrificar os deveres perante o Espírito.
A sabedoria da vida está em conciliar os reclamos de um e de outro, dentro do
necessário equilíbrio, não se perdendo de vista que um, transitório, é o
instrumento do outro, na sua trajetória eterna.
A ATIVIDADE do Espírito é incessante e eterna.
Criado por Deus simples e ignorante, seu destino é agir, obrar, progredir
sempre, no estado livre ou ligado à matéria, nos mundos materiais. Toda sua
atividade conjuga-se à harmonia da vida e ao progresso universal, de acordo com
o estágio evolutivo que ocupe na hierarquia espiritual.
Quando encarnado, liga-se estreitamente à matéria, adquirindo experiências
múltiplas necessárias ao seu progresso.
A Doutrina Espírita, por convenção, reserva a denominação de alma ao Espírito
encarnado.
O homem é, portanto, um ser dual, composto de corpo e alma. Servindo de
intermediário entre o corpo e a alma está o perispírito, invólucro semimaterial
do Espírito que o acompanha ao desligar-se do corpo físico.
Essas são noções básicas elementares da Doutrina dos Espíritos, imprescindíveis
ao estudo e a compreensão dos deveres e obrigações das criaturas humanas perante
a lei divina.
Certo é que as revelações dos Espíritos chegaram ao mundo no tempo apropriado a
que grande número de seus habitantes pudesse delas tomar conhecimento. Todavia,
como advertem os Instrutores espirituais, nem todos estão aptos a compreendê-las
integralmente, podendo certas revelações perturbá-los e confundi-los.
É compreensível que assim seja, já que não é o mesmo o estágio evolutivo moral e
intelectual dos seres que habitam nosso Orbe.
Essa circunstância mostra a sabedoria divina determinando a progressividade das
revelações, para que, à medida que o homem evolua, adquira conhecimentos novos,
trilhando os mesmos caminhos palmilhados por outros, em épocas diferentes.
A Doutrina Espírita, resumindo as revelações anteriores, especialmente os
ensinos do Cristo interpretados em espírito e conjugando-os a novos
conhecimentos, dá ao homem outra dimensão da vida, indicando o verdadeiro alvo a
ser atingido. Nem todos estão despertos para renunciar às satisfações puramente
materiais, substituindo-as por objetivos mais elevados e de mais difícil
conquista.
É muito grande o número dos espiritualistas, nas diferentes denominações
religiosas, incapazes de aceitar a verdade reencarnacionista e, sem ela, fica
prejudicado todo o entendimento sobre a necessidade das aquisições morais e
sobre as desigualdades individuais, comprometendo a própria noção de justiça, de
eqüidade e de misericórdia nas leis de Deus.
No entanto, à luz dessa velhíssima doutrina das existências múltiplas, ensinada
veladamente nos Evangelhos e de forma clara em antigas religiões orientais, as
obscuridades desaparecem dando lugar à compreensão de que o progresso é contínuo
e que os avanços morais e intelectuais são permanentes, em sucessivas vidas,
indicando que os mais adiantados e bem dotados são os que mais viveram, mais
trabalharam e mais aproveitaram.
Mostrando o fatalismo da lei divina, regendo a tudo, no campo material e no
espiritual, depara-se a alma, ao mesmo tempo, com a liberdade de ação
espiritual. Daí surge o admirável equilíbrio dos termos da lei natural, na
coexistência do determinismo divino com a contingência do livre-arbítrio, de que
resulta a responsabilidade individual.
Usando a liberdade, nem todas as criaturas avançam no mesmo ritmo e assim fica
explicada a desigualdade entre os homens. Mas a todos será sempre possível
transpor as diferenças existentes, desde que haja aplicação, trabalho, esforço,
responsabilidade, contando com muitas oportunidades para tanto, em sucessivas
vidas.
Que de mais justo e consolador poder-se-ia aspirar?
Filhos do mesmo Pai generoso, percorrendo idênticos caminhos de obstáculos e
dificuldades, na busca da perfeição e da felicidade, todos são livres na
escolha, mas responsáveis pela opção. Ninguém privilegiado nem esquecido. Cada
um conquistando seus próprios méritos.
Cuidar da alma, a eterna caminhante, é conseqüência natural decorrente da
aceitação da abençoada Doutrina dos Espíritos.
Sabedores de que nos rege sempre uma lei imutável, soberana e justa, nossa
conclusão lógica é a de que as injustiças que nos atingem são apenas aparentes e
provisórias, uma vez que todo efeito tem uma causa, sendo nossa vida atual, com
os dissabores, sofrimentos e constrangimentos, a resultante de nossas próprias
ações e omissões.
Nosso corpo, instrumento para a travessia da vida de reencarnado, o meio e a
posição social, os recursos materiais e intelectuais, tudo é resultante do que
fizemos ou deixamos de fazer no passado próximo ou remoto.
Preparamos o futuro construindo nosso ser moral, muitas vezes escolhendo o
ambiente do renascimento na carne.
Nossa alma é um universo de sombras e claridades. Seu destino é a perfeição.
Enquanto imperfeita jaz inquieta, errado e acertando.Abraçando uma diretriz
luminosa, sua busca transforma-se em luta para suplantar as sombras.
O espírita consciente e sincero torna-se um lutador tenaz contra sua próprias
sombras, que se projetam além de sua personalidade, sob as formas de egoísmo,
vaidade, inveja, ciúme, ambições desmedidas.
Reverter esse quadro é obra para muitas existências. A prática da caridade, a
conquista da humildade, a compreensão ampla de nossos semelhantes, a aceitação
das situações irreversíveis, o serviço constante no bem, eis a programação da
reforma e do renascimento interior, através da qual são resgatadas as culpas e
desfeitas as cadeias que prendem o ser às imperfeições morais.
O desenvolvimento e a duração dessa transformação é variável.Depende da
aplicação de cada um, da capacidade para a renúncia e o sacrifício.
A dor, física ou moral, funciona como poderoso agente retificador.
As provações são meios utilizados pela Lei no despertamento das criaturas para o
amor, substituindo as paixões.
O conhecimento espírita auxilia extraordinariamente a identificação das causas
dos sofrimentos, levando a alma a aceitá-los com paciência e resignação, sem a
revolta e a rebeldia própria dos que renegam a justiça das leis de Deus, por
ignorância.
Para avaliar a felicidade, mesmo relativa, é necessário saber seu custo. Assim
como o alívio de uma dor física pode custar a cirurgia de um órgão doente, a
cessação de um mal moral depende do sacrifício capaz de erradicar do nosso
organismo psíquico sua causa de natureza espiritual.
Se não somos capazes de seguir a estrada certa do bem, preferindo opções
erradas, a Providência deixa-nos colher as conseqüentes decepções,
correspondendo a experiências válidas em novas oportunidades que se
apresentarem.
Felizes aqueles que aproveitam seus reveses, fazendo deles alavancas para novas
arrancadas.
Não devemos nos impacientar diante das inúmeras dificuldades que muitas vezes se
opõem ao nosso desejo de progredir rapidamente. Somos ainda criaturas
imperfeitas, incapazes de avaliar toda a extensão das leis divinas que nos
regem. Precisamos de paciência para nós mesmos, evitando o engano de aspirar aos
resultados imediatos espetaculares. Para que as aquisições morais sejam
consideradas definitivas, a criatura é submetida pela Providência a repetidos
testes de comprovação, em circunstâncias diversas.
Não basta a aceitação do bem em teoria. É necessário sua realização na
experiência vivida.
Revista “Reformador” - setembro 1987-Editorial
Juvanir Borges de Souza