A Capa de Santo
Certo discípulo, extremamente aplicado ao Infinito Bem, depois
de largo tempo ao lado do Divino Mestre recebeu a incumbência de servi-lo entre
os homens da Terra.
Desceu da Esfera Superior em que se demorava e nasceu entre as criaturas para
ser carpinteiro.
Operário digno e leal, muita vez experimentou conflitos amargurosos, mas,
fervoroso, apegava-se à proteção dos santos e terminou a primeira missão
admiravelmente.
Tornou ao céu, jubiloso, e recebeu encargos de marinheiro.
Regressou à carne e trabalhou assíduo, em viagens inúmeras, espalhando
benefícios em nome do Senhor.
Momentos houve em que a tempestade o defrontou ameaçador, mas o aprendiz, nas
lides do mar, recorria aos Heróis Bem-Aventurados e entesourou forças para
vencer.
Rematou o serviço de maneira louvável e voltou à Casa Celeste, de onde retornou
ao mundo para ser copista.
Exercitaram-se, então, pacientemente, nos trabalhos de escrita, gravando
luminosos ensinamentos dos sábios; e, quando a aflição ou o enigma lhe visitaram
a alma, lembrava-se dos Benfeitores Consagrados e nunca permaneceu sem o alívio
esperado.
Novamente restituído ao Domicílio do Alto, sempre louvado pela conduta
irrepreensível, desceu aos círculos de luta comum para ser lavrador.
Serviu com inexprimível abnegação à gleba em que renascera e, se as dores lhe
buscavam o coração ou o lar, suplicava os bons ofícios dos Advogados dos
Pecadores e jamais ficou desamparado.
Depois de precioso descanso, ressurgiu no campo humano para exercitar-se no
domínio das ciências e das artes.
Foi aluno de filosofia e encontrou numerosas tentações contra a fé espontânea
que lhe sustentava a alma simples e estudiosa; todavia em todos os percalços do
caminho, implorava a cooperação dos Grandes Instrutores da Perfeição, que haviam
conquistado a láurea da santidade, nas mais diversas nações, e atravessaram
ilesas, as provas difíceis.
Logo após, foi médico e surpreendeu padecimentos que nunca imaginara.
Afligiram-se milhares de vezes ante as agruras de muitos destinos lamentáveis;
refugiou-se na paciência, pediu socorro dos Protetores da Humanidade e, com o
patrocínio deles, venceu, mais uma vez.
Tamanha devoção adquiriu que não sabia mais trabalhar sem recurso imediato ao
concurso dos Espíritos Glorificados na própria sublimação.
Para ela, semelhantes benfeitores seriam campeões da graça, privilegiados do Pai
Supremo ou súdito favorecidos do Trono Eterno. E, por isso, prossegui
trabalhando, agarrando-se-lhes à colaboração.
Foi alfaiate, escultor, poeta, músico, escritor, professor, administrador,
condutor, legislador e sempre se retirou da Terra com distinção.
Vitorioso em tantos encargos foi chamado pelo Mestre, que lhe falou, conciso:
- Tens vencido em todas as provas que te confiei e, agora, podes escolher a
própria tarefa.
O discípulo, embriagado de ventura, considerou sem detença:
- Senhor, tantas graças tenho recebido dos Benfeitores Divinos, que, doravante,
desejaria ser um deles, junto da Humanidade...
- Pretenderias, porventura, ser um santo?- indagou o Celeste Instrutor,
sorrindo.
- Sim... - confirmou o aprendiz extasiado.
O senhor, em tom grave, considerou:
- O fruto que alimenta deve estar suficientemente amadurecido... Até hoje, na
forma de operário, de artista, de administrador e orientador, tens estado a meu
serviço, junto dos homens, junto de mim. Há muita diferença...
Mas, o interlocutor insistiu, humilde, e o mestre não lhe negou a concessão.
Renasceu, desse modo, muito esperançoso, e, aos vinte anos de corpo físico,
recebeu do Alto o manto resplandecente da santidade.
Manifestaram-se nele dons sublimes.
Adivinhava, curava, esclarecia, consolava.
A inteligência, a intuição e a ternura nele eram diferentes e fascinantes.
E o povo, reconhecendo-lhe a condição, buscou-lhe, em massa, as bênçãos e
diretrizes. Bons e maus, justos e injustos, ignorantes e instruídos, jovens e
velhos, exigiram-lhe, sem consideração por suas necessidades naturais, a saúde,
o tempo, a paz e a vida.
Na categoria de santo, não podia subtrair-se à luta, nem desesperar, e por mais
que fosse rodeado de manjares e flores, por parte dos devotos e beneficiários
reconhecidos, não podia comer, nem dormir, nem pensar, nem lavar-se. Devia dar,
sem reclamação, as próprias forças, à maneira da vela, mantendo a chama por duas
pontas.
Não valiam escusas, lágrimas, cansaço e serviço feito.
O povo exigia sempre.
Depois de dois anos de amargosa batalha espiritual, atormentado e desgostoso,
dirigiu-se em preces ao Senhor e alegou que a capa de santo era por demais
espinhosa e pesava excessivamente.
Reparando-lhe o pranto sincero, o Mestre ouviu-o, compadecido, e explicou:
- Olvidaste que, até agora, agiste no comando. Na posição de carpinteiro,
modelavas a madeira; lavrador determinava o solo; médico, ordenavas aos
enfermos; filósofo arregimentava idéias; músico. Tangias o instrumento; escultor
cinzelava a pedra; escritor dispunha sobre as letras; professor instruía os
menos sábios que tu mesmo; administrador e legislador interferiam nos destinos
alheios. Sempre te emprestei autoridade e recurso para os trabalhos de
determinação... Para envergares a capa de santo, porém, é necessário aprender a
servir...
A fim de alcançares esse glorioso fim, serás, de ora em diante, modelado,
brunido, aprimorado e educado pela vida.
E enquanto o Mestre sorria complacente e bondoso, o discípulo em pranto, mas
reconfortado, esperava novas ordenações para ingressar no precioso curso de
obediência.
Irmão X