Eu Canto

Eu era triste e só, e minha tristeza era estéril como a do deserto sem oásis e minha solidão era vazia como a da noite sem estrelas.
Mas, hoje, já não sou triste, nem só. Mora comigo a alegria das coisas santas!
O anjo da renovação aproximou-se mansamente de mim e restaurou-me a lira do coração, transformando-me num cantor das belezas eternas.
Abro os olhos e, como numa visão mirífica de sonhos estelares, vejo além do céu das aparências, para trás das últimas fronteiras do mundo sensível, lá onde a realidade assume coloridos e configurações estranhas.
A Natureza, antes ciosa de seus grandes segredos, abre-me agora os arcanos de seus fabulosos tesouros e então posso contemplar o que os olhos mortais jamais puderam ver.
Tudo em torno de mim é esplendor e deslumbramento. Imerso num oceano de luminescências divinas, contemplo o mundo em sua fisionomia interior e eterna.
Tudo é luz!
Surpreso, vejo que eu mesmo sou plasmado na substância da luz.
Estou por cima do espaço e do tempo, situado em outra dimensão da realidade.
Agora compreendo quanta grandeza habita o coração das coisas pequeninas. Ante elas, inclino-me reverente, porque todas são uma mensagem do Grande Mistério, expressão do Pensamento de Deus.
Deixei, lá em baixo, como um resíduo atirado à margem do imenso caudal do tempo, o pobre eu com que ingênuamente eu quisera afirmar minha existência. Hoje, identificado com tudo, sou uma expressão do Impessoal.
Morreram em mim todos os desejos que me atormentavam no cárcere das formas transitórias.
Já não me alucina a paixão da Unidade.
Já não me arrebata a sedução do mistério.
Já não me abrasa a sede do Infinito.
Já não me aflige a nostalgia da Luz.
Já não me consome a saudade de Deus.
Agora sou todo plenitude. Sou uma alma integrada na alma do Todo.
Em meio aos sagrados e fecundos silêncios interiores, eu sinto ressoar, na harpa de meu coração, a música que emana do ritmo de toda Criação.
Por isso, eu canto!


Rubens Romanelli