Mitos e Crenças
O trabalho de atendimento ao carente sócio-economicamente
considerado tem-se caracterizado, nos meios espíritas, por práticas decorrentes
de inferências de ordem pessoal que nada têm a ver com os postulados
kardequianos.
Tais práticas, de caráter iminentemente particular, estão calcadas em mitos e
crenças, não encontram respaldo na literatura espírita e representam uma
interpretação enviesada do seu conteúdo.
Mito - todos sabemos é uma história eivada de crenças, muitas vezes não reais,
que passa de geração a geração, carregando dentro de si superstições, idéias,
preconceitos e informações deturpadas em tomo de um fato, de uma pessoa ou de
coisas materiais e imateriais. Tais concepções ganham deformações maiores pois
se apresentam conjugadas a uma série de mecanismos de defesa que o ser
desenvolve em si mesmo, fruto de um sofrível contato consigo mesmo e com o mundo
(pessoas e coisas ao seu redor).
Em trabalhos espíritas, o desenvolvimento de mitos e crenças deve-se,
principalmente, a uma visão distorcida que muitos possuem de si mesmos e também
quanto às reais necessidades do outro. Ora, a falta de aprofundado estudo do
Espiritismo dá origem a uma Lamentável desconfiguração do real significado dos
ensinos que foram passados pelos Espíritos superiores.
Um dos mais sérios posicionamentos que temos observado em trabalhos com carentes
tem sido a postura de alguns no que se refere à quantidade de famílias atendidas
na obra social, em detrimento da qualidade que deve caracterizar essa atividade.
Explico melhor: muitos se envaidecem por atender o maior número possível de
famílias carenciadas, mas não se preocupara cora a educação e promoção do ser
humano. As orientações acerca dos cuidados com o corpo e o meio ambiente, bem
como a transmissão dos valores morais e dos conhecimentos
evangélico-doutrinários, cujos conteúdos visara ao crescimento do ser
psico-sócio-espiritual, ficam relegados a plano secundário.
Urna outra percepção deformada do trabalho assistencial refere-se á filiação das
obras assistenciais aos órgãos públicos, descaracterizando muitas os princípios
exarados pela Doutrina Espírita. Não poucos dirigentes de obras assistenciais
espíritas têm procurado valer-se de órgãos governamentais para deles receber
subvenções, as mais das vezes inexpressivas e insuficientes às suas reais
demandas. No entanto, para isso submetem-se a absurdas exigências: alterar, por
exemplo, o seu estatuto social, o que enseja as mais desmedidas ingerências nas
instituições descaracterizando a filosofia e o modus operandi que as norteiam.
Outro viés observado na área assistencial diz respeito à distribuição de sopa
aos pobres. As casas espíritas preocupam-se em excesso com o chamado "dia da
sopa'", entendendo que este alimento supre todas as necessidades do organismo. A
sopa, como qualquer outro alimento, mitiga a fome no momento, mas, às vezes, uri
lanche composto de pão com margarina e um copo de leite possui um valor
nutritivo maior. Além do mais, para ser servida a sopa, há necessidade de mesas,
cadeiras, além de pratos e talheres. Já o lanche não requer tantos móveis ou
utensílios e pode ser tornado de maneira mais informal e prática: de pé, num
canto de sala.
Jesus, certa feita, disse: "Seja o teu falar sim, sim: não, não'", querendo com
isto significar que a coerência interna é fundamental para um relacionamento
saudável, responsável c enobrecedor. Ora, muitas vezes, em serviços
assistenciais, observamos uma displicência quanto aos posicionamentos de ordem
educacional, de autenticidade e de firmeza, que se espera estejam presentes nas
relações voluntário-assistido. Alguns trabalhadores da obra assistencial perdern
de vista o caráter educativo da assistência e se deixam levar pelo olhar, pelas
palavras e pelas atitudes persuasivas do carente, cedendo às suas insistentes
solicitações. E isto ocorre porque o dar simplesmente é o que lhes preocupa.
Este comportamento dos voluntários fere, as mais das vezes, as normas da casa e
desconfiguram o real sentido da assistência em moldes espíritas, que se
caracteriza sobretudo pelo socorro ao ser integral:
físico-psico-sócio-espiritual e não somente material. Entendemos também que essa
"manipulação" do voluntário por parte do necessitado pode não ser consciente,
nem da parte de um nem da parte de outro. Como está acostumado a pedir, o
carente condicionou essa característica ao seu comportamento e a repete em
qualquer lugar e com quem encontrar à sua frente.
Ensina-nos o Evangelho Segundo o Espiritismo que a " a esmola humilha e
degrada". Assim, o trabalho espírita visa sobretudo a conscientização do ser
para as mudanças que ele pode imprimir em sua vida exterior e, especialmente, na
interior.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, 361 ed., SP, LAKE Livraria Allan Kardec
Editora, 1977.
0 Evangelho Segundo o Espiritismo, 51a edição, RJ, FEB Federação Espírita
Brasileira.
Valente, Maria Aparecida e Ramazzini, Elaine C., Serviço Assistencial Espírita,
SP, SP, USE editora, 1970.
Elaine Curti Ramazzini