Gostar do que se Faz: Uma Maneira de Prevenção!
“Para aquele que usa de suas faculdades com fim útil e de
acordo com as suas aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido (...) (grifos
originais.) (“O Livro dos Espíritos”) (1)
Examinando a problemática do suicídio, somos forçados a pensar nos fatores
considerados como indutores (suicidógenos) a tão funesto ato. Partindo do aval
dos Espíritos da Codificação (2) e reforçando a argumentação por constatações as
mais diversas, encontramos na ociosidade um dos mais arraigados fatores
predisponentes ao auto-aniquilamento. É sobre esse, mesmo sabendo que muitos
outros fatores também implicam diretamente na questão em foco, que iremos
tratar.
Consultando o Aurélio (3), temos por definição de ociosidade a “qualidade ou
estado de ocioso, de quem gasta o tempo inutilmente; inatividade (...) Podemos
daí inferir que a inutilidade de nosso tempo, quer por preguiça, mau uso ou
incompatibilidade com nosso potencial, determina em nós um certo “estado de
ociosidade”(4). É comum ouvirmos pessoas dizerem que estão com preguiça, sem que
sejam, necessariamente, preguiçosas; que criaturas existem usando mal seu tempo
sem que tenham, obrigatoriamente, se envolvido com atividades más, embora
improdutivas ou pouco produtivas; por fim, há indivíduos que se perturbam muito,
mesmo produzindo o bom e o bem, em decorrência de estarem agindo sem a
satisfação que se adquiro quando “se faz o que gosta”ou “se gosta do que faz”.
Afirma um ditado popular que “em cabeça vazia só entra o que não presta”. Apesar
da generalização ser muito forte, é certo que os maus pensamentos encontram numa
mente ociosa ambiente propício para se instalarem e se desenvolverem, criando
verdadeiras ‘‘colônias’’ mentomagnéticas de atração pulsantemente (auto)
obsessiva. O cuidado por bem ocupar a mente deve ser tomado com a dimensão que o
sentido implica, pois, por mente ociosa, não se deve entender apenas aquela que
não está voltada a uma atividade qualquer, mas o mau uso ou o uso indevido dos
recursos mentais pode (e deve) ser igualmente catalogado como uso ocioso.
Como não pretendemos escrever um tratado sobre o assunto, mesmo porque não nos
sentimos capacitados para tal desiderato, tomaremos tão somente as três
situações acima colocadas, as quais, acreditamos, englobam um universo muito
vasto de casos afins.
A preguiça, pernicioso elemento de personalidades ainda fragilizadas ante a
necessidade de evoluir, induz o homem a um imobilismo degradante, já que se
insurge contra a lei natural que nos sugere o “movimento”, a ação. Sua presença
de uma forma mais constante na vida de uma criatura propicia uma visão
distorcida da realidade, fazendo-a observar a agilidade, o trabalho e a produção
como um erro da Natureza. Desse estado facilmente chega à ira contra os
“sistemas”, os ativos e os capazes; por se sentir “por fora”, inativo e incapaz,
distorce os fatos e vê na necessidade de agir uma imposição descabida, na ajuda
que se lhe queira dar, uma intromissão indevida, e na realização dos outros um
menosprezo vaidoso. Sentir-se cansado e parar para um repouso é parte da própria
Lei Natural; parar para não fazer nada e depois deitar-se para descansar do
cansaço produzido pelo nada feito é malbaratar a vida.
Usar mal o tempo, ainda que obtendo satisfações de apetites menos felizes,
também repercute desastrosamente na personalidade humana, posto que O sentido de
ser útil é necessidade básica de todos. Quando voltado apenas à satisfação
pessoal, arroja-se à saciedade, outro fator suicidógeno; se praticado por
desatenção ou irreflexão, a produtividade final sai comprometida, deixando a
desagradável sensação de “tarefa não cumprida” ou “obrigação mal feita”.
Repercutindo no psiquismo mais profundo do ser - onde não se consegue mentir
para si mesmo, corre o risco de se sentir inútil, desnecessário, dispensável. Ou
seja: abrem-se comportas à obsessão, ou auto-obsessão, dando fácil guarida às
idéias suicidas.
Mas algumas criaturas ativas e dispostas, que usam bem seu tempo, também se vêem
às turras com um sentido de ociosidade, mesmo quando trabalham tanto que mal
lhes sobra tempo para o descanso diário recomendado. São os que estão na labuta
honesta, produtiva, mas não satisfatória. Falta-lhes o prazer do “fazer aquilo
que gosta ou gostaria”. Sofrem sem saber por que, ou quando sabem, por se
sentirem incapazes de mudar. E dessa forma se entregam, desesperadamente, a um
trabalho que não dá satisfação e, embora comumente elogiados, se deprimem.
Se juntarmos os três fatores citados, veremos que estão intimamente
interligados, sendo que na base vige a falta de satisfação real. Basta olhemos
os exemplos diários que a vida nos apresenta e reconheceremos antigas fortunas
hoje em situação modesta, mas realizadas; senhores em anterior posição de mando,
atualmente serventes, porém, com sorrisos nos lábios; criaturas antes indolentes
e pessimistas, agora ativas e harmonizadas. Qual o ponto em comum nesses
exemplos? Tão somente a
descoberta da satisfação de se fazer o que se gosta. Mas, poder-se-ia perguntar:
seria isso tudo? Estaria aí a solução de tão intrincado problema? É óbvio que
não. Mesmo porque o fazer o que se gosta também está subordinado a outros
fatores, alguns deles por vezes intransponíveis numa determinada reencarnação.
Contudo, se o fazer o que se gosta é possível, não compromete moralmente o
indivíduo e o faz render o falado “algo mais”, não nos cabe opor obstáculos; ao
contrário, é dever nosso descobrir e apresentar as oportunidades.
Muitas vezes, as idéias suicidas podem ser combatidas apenas com o preenchimento
do vazio que habita o tendencioso ao ato, e esse vazio é comumente nutrido pela
falta de satisfação pessoal - no nosso ver, uma das variantes do ócio. Falamos
de satisfação pessoal no sentido nobre do termo, aquela satisfação que,
encontrada em todos os povos, lugares e condições, está à disposição de todas as
criaturas, desde que se disponham a fazer o que gostam ou aprendam a gostar do
que fazem. Para tanto, basta buscar agir e se desenvolver, de forma e com fim
útil, nas “aptidões naturais”, como, de ordinário, sugerem os Bons Espíritos da
codificação do Espiritismo. A despeito de adquirir-se novos hábitos ser, por
vezes, dificultoso, se o objetivo é pretendido e valioso - e como a própria vida
é e deve ser dos mais valiosos objetivos do homem - tudo nos impele, de forma
natural, às adaptações necessárias; ou seja: quando se quer fazer o que se
gosta, busca-se solução; quando não encontrada, faz-se a adaptação para que
aquilo que se faz, faça-se com prazer. Assim agindo, muitas idéias suicidas não
resistirão, por lhes faltar o “clima” gerado pelo ócio.
1 - KARDEC, Allan - Desgosto da vida. Suicídio. In: “Livro dos Espíritos”, Parte
4ª, Cap. 1, Questão 943, pág. 439, 73ª ed., abril 1993, FEB-Rio/RJ.
2 - Ver toda a Questão 943 reproduzida na página seguinte.
3 - FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. In: “Novo Dicionário da Língua
Portuguesa”, pág. 1212, 2ª ed., 1986. Editora Nova Fronteira - Rio/RJ.
4 - A expressão é valida, posto que não convém confundirmos ser ocioso com estar
ocioso.
Jacob Melo