Clichês Mentais
Esta é uma época muito boa para se falar em clichês, porque
tudo fica obsoleto rapidamente. A velocidade de tudo nos faz impacientes com as
repetições dos acontecimentos. Existe uma ansiedade por novidades, e isso traz
também impaciência. Um detalhe de um produto, ou um recorte diferente na roupa
já é suficiente para se falar em tendência.
No entanto, somos todos vítimas dos clichês e das idéias repetitivas. A
propósito, o que é um clichê? Segundo o dicionário Aurélio, clichê é uma placa
fotomecanicamente gravada em relevo sobre metal, usualmente zinco, para
impressão de imagens e textos por meio de prensa tipográfica. Não sei o quanto
esta definição esclarece para o leitor leigo, que nunca tenha entrado na redação
de um jornal. Mas tem que ser um jornal à moda antiga, daqueles em que o
tipógrafo ia formando as palavras e os textos pegando de uma enorme caixa de
madeira, onde as letras estavam separadas em escaninhos, em ordem alfabética, e
em cada um deles, havia um punhado de tipos de cada letra. Ele era um
compositor, isto é, um homem que compunha todo o jornal juntando cada um dos
tipos formando as palavras. Fazia assim o papel da antiga máquina de escrever.
Nesse tempo, as fotos eram feitas com clichês. Primeiro se tirava a fotografia,
depois ela era enviada para onde se fabricava o clichê. A foto voltava numa
placa de zinco sobre uma madeira para que ficasse da mesma altura dos tipos.
Para simplificar, podemos dizer que as fotos eram transformadas em uma espécie
de carimbos.
Assim sendo, para publicar novamente a foto de alguém era preciso ir a um
depósito onde havia pilhas de clichês e, dentre eles, encontrar o clichê da foto
desejada. Hoje é bem mais simples. As fotos de um jornal estão nos arquivos dos
computadores e bastam cliques do “mause” para se ter as fotos novamente. Isso
permite que os jornais sejam lidos na Internet, em tempo real com os
acontecimentos.
O objetivo de usarmos a palavra clichê é o significado que ela contém quando
falamos em clichês referindo-se a idéias. Usar um clichê é buscar idéias fixas
sobre determinado ponto de vista, ou então usar frases padrão ou de efeito, como
costumamos dizer. De modo que, uma pessoa ao fazer uso de clichês, acaba sendo
um indivíduo de idéias repetitivas e que o tornam totalmente previsível. Basta
que ele abra a boca e já sabemos o que vai dizer. Aí está a doença que o clichê
provoca: idéias “clichezadas” são idéias cristalizadas ou congeladas.
Nos tempos atuais, vemos e ouvimos clichês de todos os tipos, tamanhos e
conteúdos. Basta a gente ver ou ouvir entrevistas, e será difícil alguém não
deixar escapar algum clichê. São frases feitas e chavões que andam de boca em
boca, como se fossem formas de pensamentos “xerocadas” de idéias semelhantes. Os
políticos são especialistas no seu uso. É uma época em que vemos poucas idéias
ou maneiras de expressão inovadoras, criativas ou que nos tragam uma compreensão
inédita, capaz de proporcionar um estalo, como se costuma dizer, significando
descoberta de um novo ponto de vista, ou que tenhamos uma “sacada” genial, e com
isso, sejamos capazes de ver outro ângulo de situações antigas e conhecidas.
Os clichês de idéias, por serem muito duráveis, como os próprios chichês dos
velhos jornais e da velha forma de imprimir palavras e imagens, são usados
largamente sem o risco de serem desgastados pelo tempo. Talvez o leitor não
concorde comigo, por pensar que as frases feitas estão em descrédito e já não
possuem mais força de convencimento. No entanto, é impossível não perceber como
novas pessoas usam velhas idéias. Faz-se uso de velhas formas de pensamento,
quer seja por falta de criatividade ou para garantir um mínimo de conteúdo, num
discurso qualquer. Na verdade, os clichês precisam ser jogados fora para
surgirem idéias que permitam pensar e levar os outros a refletirem de formas
novas, trazendo uma compreensão diferenciada dos problemas antigos que teimam em
permanecer.
Este tema torna-se mais complexo, quando colocamos a dimensão da continuidade da
vida na suas sucessivas encarnações. Na medida em que os clichês de pensamentos
acabam encerrando uma simplificação da maneira de pensar, escondem o medo de
debater idéias e opiniões, propostas e maneiras de pensar, dos fatos atualizados
forçosamente pelo tempo, portanto, sucumbe ao medo de progredir. É, muitas
vezes, a lei do mínimo esforço, do comodismo das nossas mentes. Além disso fazem
a gente viver cada novo dia da mesma maneira que antes. Vamos buscar em Emmanuel
os riscos dos clichês mentais quando nos ensina, nas reflexões do livro
“Pensamento e Vida”, no capítulo 12 sobre a Família, a compreender que “o homem
primitivo não se afasta, de improviso, da própria taba, mas aí renasce múltiplas
vezes, e o homem relativamente civilizado demora-se. . .até que a soma de suas
aquisições o recomende a diferentes realizações. É assim que, na esfera do grupo
consangüíneo o Espírito reencarnado segue ao encontro dos laços que entreteceu
para si próprio, na linha mental em que se lhe caracterizam as tendências. Temos
assim, no grupo doméstico, os laços de elevação e alegria que já conseguimos
tecer, por intermédio do amor louvavelmente vivido, mas também as algemas de
constrangimento e aversão, nas quais recolhemos, de volta, os clichês
inquietantes que nós mesmos plasmamos na memória do destino e que necessitamos
desfazer, à custa de trabalho e sacrifício, paciência e humildade.”
Quem não sabe história, repete a história, pois não consegue perceber novas
correlações entre fatos e acontecimentos numa linha seqüencial de tempo. Assim
tornam-se espectadores de fatos e não estudiosos do que acontece. Não conseguem
tirar dos registros, significados mais profundos. Não conseguem ver na história
a construção intrincada de tendências. Não conseguem garimpar detalhes
preciosos, que são os sinais do novo, que está sempre enraizado no acontecido e
no vivido.
Viver em comunidade e buscar o bem comum, onde os homens produzissem e
mantivessem as amizades e o progresso para todos, como queria Aristóteles, os
clichês seriam abandonados e as idéias fixas seriam rejeitadas, para dar lugar a
padrões novos e a mudanças constantes dos paradigmas. A máxima de que somos
pessoas diferentes a cada minuto e a cada dia, também é um clichê. Entretanto,
estranhamos as propostas de mudanças quando, idéias que não soam familiares aos
nossos ouvidos, permitem que se apoderem de nós, os medos, e tentando ficar
livre deles, buscamos a segurança das velhas idéias ou das formas congeladas de
pensar.
Abandonar clichês é viver certos fatos, como se fosse pela primeira vez. Certa
vez perguntaram a um gênio da fotografia, o que ele teria a dizer para um
fotógrafo que estava se iniciando nessa arte. Ele respondeu “evite o centro da
foto”, querendo dizer, que não devemos olhar pelos ângulos convencionais, do
contrário não conseguiremos enquadrar as nossas fotos de maneira criativa,
inusitada, dando-nos uma visão nova de realidades conhecidas. Como ter um filho
que, ao crescer, faz você enfrentar, todos os dias, problemas novos a partir de
situações conhecidas. É como ser criança e perguntar coisas óbvias. Tais
perguntas, irão nos conduzir ao surgimento do novo, porque as saídas inéditas
sempre estarão escondidas nos becos-sem-saída da vida. Um antigo animador de
programas de calouros na televisão, dizia que o amanhã ninguém usou ainda. Não é
demais repetir o conselho de Emmanuel: evitar os clichês inquietantes que nós
mesmos plasmamos na memória do destino e que necessitamos desfazer.
Enéas Canhadas