De Ética e Limitações Humanas
A condição humana limita o comportamento ético pleno, mas a
disposição íntima do espírito supera os próprios limites. Em termos humanos, a
dimensão do bem e do mal, do moral e do imoral, do certo e do errado esbarra
sempre nestes dois problemas: o da limitação imposta e o do interesse em
superá-la. Muitas vezes, quando se invoca razões como "a ética depende da
ótica", quer-se referir exatamente à condição humana, pela qual o ser se conduz
ao caminho da interpretação particularizada, com vistas a alcançar seus desejos
ou concretizar suas idéias. À primeira vista, pode parecer chocante afirmar que
a ética se circunscreve à ótica, mas o comportamento prático, do dia a dia,
costuma confirmar aquilo que, à luz da consciência moral, o indivíduo condena.
Diante das regras colocadas pela doutrina o que se vê constrangido a condenar
tudo aquilo que fere a boa moral, mas na prática diária se torna capaz de agir
em contradição com o que condenou, seja porque cede às limitações humanas de que
é portador, seja porque naquele instante não lhe pareceu interessante
superá-las.
Ora, fica muito claro que o conhecimento espírita se destina àqueles que desejam
vencer os seus limites pessoais, para se colocar num caminho de confronto com o
meio quando este meio está claramente em oposição às melhores regras. A
aceitação disso se faz de modo quase que imediato quando a lógica do raciocínio
doutrinário é assimiladas, mas o dia-a-dia é que vai marcar definitivamente as
conquistas morais esperadas. Parece indiscutível que a simples aceitação das
regras espíritas, mesmo à despeito de um certo tempo transcorrido e de um certo
traquejo desenvolvido para lidar com situações conflitantes, é insuficiente num
primeiro momento para conferir a capacidade de superação.
Por exemplo, quando se lida com regras que esbarram na necessidade de tolerância
ou de fraternidade, uma das limitações impostas diz respeito a um outro tipo de
regra: as que são colocadas pelo agrupamento ao qual o indivíduo pertence. Não
importa que esse agrupamento se chame centro espírita; não importa até que se
norteie por uma doutrina que tem normas claras de moral e que , por uma questão
de raiz histórica, tenha moral derivada da moral do Cristo. As regras do grupo
existem para ser observadas e não raro estabelecem contradições que são, em
geral, resolvidas dentro das limitações humanas, portanto em afronta à moral. A
superação dos limites humanos implica quase sempre a afrontar o meio para não
agredir a moral, mas o meio exerce pressões de tal ordem que o indivíduo acaba
cedendo por razões bem humanas.
Desta maneira, quando se fala em união e unificação no ambiente espírita
(conhecido como movimento espírita), fala-se naturalmente em uma série de
valores morais implicitamente relacionados: respeito, solidariedade,
honestidade, etc. Mesmo porque, sem estes valores qualquer desejo de
estabilidade fica comprometido e sem estabilidade, união e unificação caminham
para sua própria ruína. A limitação humana neste terreno – quando menos, para
atender as regras humanas colocadas no grupo – conduz a solucionar as
contradições comumente segundo o discutível conceito da ótica que estabelece a
ética, e neste caso o indivíduo aceita submeter-se a comportamento segundo a
ótica que estabelece a ética, e neste caso o indivíduo aceita submeter-se a
comportamentos humanos limitados. Eis quando surgem mentiras travestidas de
verdades, desrespeito parecendo honestidade, intolerância sob a justificativa de
defesa de ideais.
No campo dos interesses que atendem apenas a indivíduos e agrupamentos isolados,
dos quais ficam implicitamente excluídas certas parcelas, forjam-se voláteis,
promessas irrealizáveis e uma série de outras ilusões que, por uma questão de
conseqüência irrefreável, despencam sobre os excluídos na forma violência. Mas
não somente isto: levam ao desastre todos os valores recolhidos da filosofia
doutrinária, cavando o próprio fosso onde o progresso será enterrado.
Há que se estudar os prejuízos advindos daí, em contraposição aos lucros
aparentes e muito exaltados, especialmente em termos de futuro para o ser e para
o grupo. A história da humanidade tem demonstrado que, no plano geral, os
prejuízos são evidentes e ocorrem em grande escala. E, chamando a doutrina aqui,
nesta análise, pode-se dizer que a história do espíritos, em sua longa saga no
caminho da superação das limitações humanas, tem demonstrado também, tão
extensos quando penosos prejuízos.
O futuro da doutrina depende do presente do homem: ou se submete à suas ilusões
e cria uma satisfação de aparências, ou rompe os limites e alcança a plenitude
ética, firmando-se definitivamente.
Wilson Garcia